terça-feira, 21 de novembro de 2017

Nota Pública em apoio ao Povo Pitaguary; comunidade sofre ameaça de reintegração de posse



Foto: Arquivo Observatório Socioambiental / Momento da detonação em pedreira impactando o território indígena Pitaguary

Nós, organizações indígenas, indigenistas e ambientais; ambientalistas e defensores de direitos humanos no Brasil declaramos nosso total e irrestrito apoio ao Povo Indígena Pitaguary e repudiamos a nova investida de uma empresa de mineração, que pretende explorar o maciço rochoso da Serra da Monguba, o que causará graves impactos a esta comunidade, bem como a todo o meio ambiente, incluindo a fauna, a flora e os recursos hídricos. A empresa afirma ter “comprado” essa área de outra empresa de mineração, a antiga pedreira Britaboa.

A Terra Indígena Pitaguary é constituída por quatro aldeias - Santo Antônio, Horto, Olho D’Água; localizadas no município de Maracanaú e Monguba; localizada no município de Pacatuba, no estado do Ceará. A área oficial da terra indígena é de 1.735 hectares. Há ainda registros de representantes deste povo habitando no município de Maranguape.

A aldeia Monguba corresponde a uma estreita faixa de terra situada entre o paredão rochoso da Serra da Monguba e a Rodovia CE-060. A Serra da Monguba, que possui características de um serrote, está localizada no Município de Pacatuba, fazendo parte do complexo da Área de Proteção Ambiental da Serra da Aratanha.

Esta aldeia, a Monguba, possui um forte adensamento populacional, o que já demandou diversas reivindicações para a aquisição de uma área maior, uma vez que, para o povo Pitaguary, tem se tornado extremamente difícil preservar seus usos e costumes quando lhe falta o que para ele é imprescindível e sagrado, a terra.

Para complicar ainda mais a situação da comunidade, na manhã desta terça-feira, 14 de novembro de 2017, o povo Pitaguary recebeu uma inspeção judicial para reintegração de posse de uma área onde vivem, conhecida como aldeia Pedreira dos Encantados, na localidade de Monguba, no município de Pacatuba-CE. Desde 2012, o povo Pitaguary retomou essa área, onde antes funcionava a pedreira Britaboa, que foi desativada há mais de 30 anos e causou grande degradação ambiental neste território. Ressalta-se que na Serra da Monguba já estão em atividade outras duas pedreiras, que impactam o território Pitaguary.

A ação de retomada, na época, se deu justamente para evitar a reativação dessa empresa na área. A então pedreira Britaboa, ao ser desativada, deixou para trás um grande passivo ambiental, como o extermínio de diversas espécies da fauna, da avifauna e da microfauna; o depauperamento da cobertura vegetal nativa, que deu lugar a uma vegetação de capoeira; o desaparecimento de dezenas de nascentes e olhos d’água; o desmoronamento de blocos rochosos; o assoreamento da rede de dranagem superficial, dentre outros impactos. Em 2013, os Pitaguary também receberam ordem de reintegração de posse dessa área. Após muita luta, a ação foi anulada.

E, neste final de 2017, recebem com imensa preocupação a notícia desta nova decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife-PE. Esta decisão prevê que a pedreira (Canaã) ficaria de posse dos 3,0 hectares, situados na “parte nordeste da área objeto da concessão de uso, onde possui autorização para a efetiva extração da lavra, ressalvando o direito dos índios permanecerem nos 33,0 hectares”. Ocorre que os 33ha são compostos pela área inabitável e os 3ha, correspondentes à área que a pedreira teria direito, conforme essa decisão, são exatamente a parte habitada pelos indígenas.

Nesta área está instalado o Museu Indígena Pitaguary, construído por este povo como muita luta e constituindo importante equipamento da memória, arte, cultura e preservação ambiental. Estão também localizados nessa pequena área os locais sagrados; os cultivos para a alimentação, a criação de pequenos animais, dentre outras atividades.

Alertamos as autoridades, os apoiadores da causa indígena e a sociedade civil sobre os impactos ambientais negativos causados pelas atividades das pedreiras. Estes impactos se iniciam já no processo de desmonte da rocha, onde são utilizados materiais explosivos, o que gera grande desconforto para as populações que vivem no entorno destas pedreiras, estando estas cotidianamente expostas aos seus efeitos nocivos. Dentre os impactos destacam-se os ultralançamentos de fragmentos; aumento significativo dos níveis de ruído; emissão de poeiras e gases tóxicos na atmosfera; vibrações no terreno e assoreamento da drenagem. 

Os impactos negativos, de forma ainda mais detalhada, conforme descritos na literatura especializada, ocorrem com a poluição do ar e do solo; impactos sobre o solo, como a erosão, a “contaminação por óleos, graxas e combustíveis, a instabilidade do terreno devido às frequentes explosões (escorregamento de blocos)”; Impactos sobre a água, como o “assoreamento de corpos d’água, turvamento da água e contaminação de águas superficiais e subterrâneas por óleos, graxas e combustíveis”; impactos sobre a fauna e a flora, que “começam já na etapa de decapeamento com as máquinas retirando a vegetação nativa”. Além disso, “o ruído das máquinas e a destruição do habitat afugentam os animais que vivem na região”; impactos sobre o homem – “quando uma pedreira está situada em perímetro urbana ocorre grande desconforto provocado pelo nível de ruído causado pelas explosões e pelo trabalho das máquinas”. (BACCI, Denise de La Corte; LANDIM, Paulo Milton Barbosa; ESTON, Sérgio Médici de. Aspectos e impactos ambientais de pedreira em área urbana. Ouro Preto, vol. 59 nº 1, jan. mar. 2006).

As explosões podem, ainda, causar vibrações que provocam rachaduras nas residências próximas à área de exploração.  Devido ao abandono das áreas de exploração pelas pedreiras um impacto que deve ser considerado é o estético causado pela ação sobre a formação rochosa. 

O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) - que deveria ter sido implementado pela empresa anterior ao encerrar a exploração mineral - se foi solicitado/exigido pelos órgãos ambientais como parte integrante do processo de licenciamento de atividades degradadoras ou modificadoras do meio ambiente, não foi cumprido, como já foi constatado em pesquisas acadêmicas e pelos depoimentos de pessoas da comunidade. O PRAD refere-se ao “conjunto de medidas que propiciarão à área degradada condições de estabelecer um novo equilíbrio dinâmico, com solo apto para uso futuro e paisagem esteticamente harmoniosa”, porém as medidas não chegaram a ser executadas.

O povo Pitaguary relata que as atividades das pedreiras situadas no entorno da Terra Indígena já causaram e/ou ainda causam vários tipos de enfermidades, sendo as mais frequentes as doenças do trato respiratório e as doenças de pele, além de problemas de ordem psicológica - face ao sofrimento a que estão constantemente submetidos - em razão das duas pedreiras já existentes na Serra da Monguba.  A reativação de mais uma pedreira colocará em risco a saúde e mesmo a vida das pessoas na comunidade; o povo Pitaguary está disposto a lutar, como sempre lutou, contra essa decisão que poderá provocar graves consequências em seu modo de viver.

Essa não é a primeira decisão recente que afeta diretamente a vida do Povo Pitaguary sem ser permitida a sua participação na ação judicial. O poder judiciário através do TRF da 5ª Região nega o direito básico dos Pitaguary à vida e a dignidade humana.

Solicitamos que sejam realizadas pelo poder público, representado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SPU/CE) e Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), as diligências aos locais impactados pela ação das pedreiras, para tomar ciência da gravidade da situação e não permitir que essa decisão judicial seja executada em desfavor do povo Pitaguary e do meio ambiente; solicitamos ainda que sejam feitas vistorias às pedreiras já existentes na região e reavaliação de todas as licenças ambientais já concedidas, observando se as mesmas obedecem ao que está estabelecido na Legislação Ambiental Brasileira, na Constituição Federal e no tratado internacional sobre os direitos dos Povos Indígenas.


Nenhum direito a menos! Nenhuma pedreira a mais!
Pelo direito de viver!
Nós apoiamos o Povo Pitaguary!


Assinam esta nota:

ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS, INDIGENISTAS, AMBIENTAIS E DE DIREITOS HUMANOS

  • Articulação das Mulheres Indígenas no Ceará -  AMICE
  • Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo - Microrregião CE
  • Articulação Regional das Pastorais Sociais CEBs e Organismos
  • Associação Indígena Kanindé de Aratuba - AIKA
  • Associação para Desenvolvimento Local Co-Produzido - ADELCO
  • Cáritas Regional Ceará
  • Ceará no Clima
  • Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza - CDVHS
  • Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza - CDPDH
  • Centro de Pesquisa e Assessoria – Esplar
  • Coletivo Florestar
  • Coletivo Socioambiental Jangu
  • Coletivo Verdejar
  • Comissão da Juventude Indígena do Ceará - COJICE
  • Comissão Brasileira de Justiça e Paz - CBJP
  • Comitê Nacional de Apoio à Causa Indígena
  • Conselho Indígena Jenipapo-Kanindé
  • Escola Indígena Ita-Ara
  • Federação dos Povos e Organizações Indígenas no Ceará - FEPOINCE
  • Fórum Cearense de Mulheres 
  • Fórum Justiça Ceará
  • Fundação Mata Atlântica Cearense (FMAC)
  • Grupo de Estudos com Povos Indígenas – GEPI / UNILAB
  • Índio é Nós
  • Instituto Verdeluz
  • Movimento Pro-Árvore
  • Museu Indígena Kanindé
  • Observatório Socioambiental
  • Organização dos Professores Indígenas do Ceará - OPRINCE
  • Projeto Historiando
  • Rede Cearense de Museus Comunitários
  • Rede Indígena de Memória e Museologia Social


AMBIENTALISTAS E DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS

  • Alexandre Araújo Costa - Professor Titular, Uece
  • Aspásia Mariana - Artista e Militante Cicloativista
  • Benedito Cunha - Ambientalista, Secretário de Meio Ambiente do PT Ceará 
  • Cecília Feitoza - Bióloga
  • Diêgo de Lima Barros - graduando em Sistemas e Mídias Digitais (UFC)
  • Ednaldo Vieira do Nascimento – Ambientalista
  • Érica Pontes – Doutora em Geografia - UFC
  • Flávia Castelo Batista - Advogada (OAB/CE 15.563), Doutora em Biotecnologia, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Professora Unichristus de Legislação Ambiental e Urbanística
  • Francisca Evilene Barbosa de Castro – Professora
  • Francisco Vítor Macêdo Pereira - Professor Ajunto II de Filosofia, Mestrado Interdisciplinar em Humanidades - UNILAB
  • Gabriel Lima de Aguiar – Estudante de Ciências Biológicas
  • George Arruda - Antropólogo, estudante do Doutorado em Educação - UFC
  • Iago Barreto Soares - Fotógrafo, indigenista, arte educador e comunicador
  • Janete Melo – Geógrafa, especialista em Planejamento e Gestão Ambiental (UECE) e pós-graduanda em Geoprocessamento Aplicado à Análise Ambiental e aos Recursos Hídricos (UECE).
  • João Alfredo Telles Melo – Professor de Direito Ambiental - Centro Universitário 7 de Setembro - Advogado - OAB/CE 3762     
  • João Paulo Vieira – Historiador, assessor da Rede Indígena de Memória e Museologia Social
  • Joécio Dias, biólogo e professor da rede pública
  • José Mardonio Rodrigues Tabajara – Liderança indígena
  • Maria Eliane da Silva Gomes Tabajara – Professora
  • Michelle Andrade Araújo - Bacharel em Humanidades - UNILAB, Estudante de licenciatura em História - UNILAB
  • Pádua Fernandes – Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais
  • Renata Catarina Costa Maia - advogada, pesquisadora e mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFC) 
  • Ricarlos Pereira de Melo - Estudante da UFC e Blogueiro
  • Suzenalson da Silva Santos - Comitê Gestor de Políticas Culturais Indígenas no Ceará
  • Tania Pacheco - Blog Combate Racismo Ambiental
  • Vanda Claudino Sales – Geógrafa, professora universitária
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