segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Posseiros descumprem ordens judiciais e permanecem ocupando a Terra Indígena Pankararu, no sertão pernambucano



Decisão favorável ao povo Pankararu gera onda de ataques e tentativas de intimidação por parte de posseiros, que permanecem na Terra Indígena

Os Pankararu relatam que, em razão das decisões judiciais favoráveis a este povo, nos últimos tempos, as ameaças, agressões verbais, insultos de cunho racistas, que já ocorriam mesmo antes das decisões, recrudesceram. Eles estão bastante apreensivos.

Foto reprodução – grupo de dança Pankararu Nação Cultural / acervo do grupo

Em agosto de 2017, a 38ª Vara Federal publicou a decisão que trata da desocupação da Terra Indígena Pankararu, localizada entre os municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, no sertão pernambucano, afirmando que a “petição da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, requerendo a juntada de Relatório Técnico demonstra a ausência de desocupação da área ocupada pelos não índios. Com base nas informações constantes do relatório, requer a FUNAI a desintrusão compulsória dos posseiros, nos moldes do que fora acordado na audiência realizada em fevereiro de 2017”. Nessa decisão a Justiça determina que os posseiros saiam da Terra Indígena Pankararu (PE), onde permanecem ocupando 20% da TI, descumprindo as decisões judiciais e o termo de acordo.  

No despacho o magistrado determina, portanto, “que sejam oficiadas a Polícia Militar do Estado de Pernambuco e a Polícia Federal, para que estas, no prazo de 30 (trinta) dias planejem e executem as medidas necessárias para desocupação da área objeto desta ação”. Leia a íntegra da decisão judicial publicada em agosto de 2017.

Na sessão de 29 de agosto, da Câmara Municipal de Jatobá-PE, um vereador, advogado, ex-prefeito de Petrolândia e ex-posseiro das terras Pankararu faz o informe a todos os presentes a respeito da decisão judicial. Isso, segundo informações, "levou a revolta de muitos posseiros, gerando uma solicitação dos mesmos para participar da próxima sessão", conta um indígena que prefere não se identificar.  Veja aqui como foi a sessão onde o parlamentar fez o informe  e, aqui, a sessão onde ocorreu forte tensão em razão do pronunciamento anterior.

Em nota publicada recentemente, os Pankararu manifestam compreensão em relação à angústia das famílias de posseiros que devem deixar a Terra Indígena, mas afirmam que não lhes cabe responsabilidade a ponto de serem atacados e ameaçados, pois se trata de ordem judicial que precisa ser cumprida, conforme termos do acordo.
"Em momento algum, desconsideramos, desfazemos, desrespeitamos, atacamos ou humilhamos aos posseiros, sempre lutamos pela justiça e desintrusão da nossa terra sagrada. Respeitamos a angústia de todos que terão que sair. O INCRA já apresentou a proposta do reassentamento Abreu e Lima no município de Tacaratu - PE, este com extensão territorial de 18.500ha, área muito maior de que nosso território", diz trecho da nota. Leia na íntegra: Povo Pankararu emite nota ressaltando procedimento demarcatório e cuidado aos posseiros. 

HISTÓRICO 

Transcrevemos trechos do artigo intitulado "CONFIGURAÇÕES HISTÓRICAS DE UM CONFLITO – pankararu e posseiros”, do antropólogo José Maurício Arruti, que conversou com o Observatório Socioambiental sobre a situação histórica do conflito.

Segundo o antropólogo José Maurício Arruti – sobre as configurações históricas do conflito entre os pankararu e os posseiros – “imediatamente depois dos Pankararu serem oficialmente reconhecidos como indígenas e terem sua terra demarcada, ao longo de aproximadamente toda a década de 1940, as relações entre índios e não índios mantiveram-se sob o mesmo padrão de equilíbrio alcançado ao longo dos sessenta anos que se seguiram à violenta extinção do aldeamento do Brejo dos Padres. Mesmo as lideranças que se mobilizaram pelo reconhecimento indígena e buscavam ajuda externa contra a invasão das roças pelo gado dos proprietários vizinhos, estavam enredadas em relações de vizinhança, afinidade, trocas matrimoniais, laços de compadrio, de emprego e clientela com estes mesmos proprietários”. 

Maurício Arruti diz que, já perto da década de 1950, “este padrão de atuação tutelar sofreria uma mudança radical. Aqueles que não se reconheciam como indígenas e estavam dentro das terras delimitadas, chamados desde então, de “posseiros”, passariam a pagar arrendamento do posto indígena, o acesso aos recursos naturais disponíveis no Brejo e até mesmo a circulação pelas estradas que cruzavam o território indígena passaram a ser regulados. Em reação, os posseiros passam a recorrer às autoridades de Tacaratu, como o promotor, o prefeito e o delegado, que eram em muitos casos seus próprios parentes, mas o território indígena era domínio da União, passando a estar fora da sua esfera de ação. Neste primeiro momento do conflito, os posseiros recusavam o rótulo de posseiros, insistindo na auto-designação de “condôminos” de propriedades que não haviam sido legalmente parceladas e cuja cadeia dominial remetia, segundo eles, até aos Garcia D´Ávila, da Casa da Torre, em fins do século XVIII. Desta forma, ao longo dos primeiros embates judiciais entre estes “condôminos” e o SPI, sua condição de pretensos "proprietários" sempre foi evidenciada”.


Para o antropólogo, o cenário atual dos conflitos entre os Pankararu e os não índios “foi profundamente alterado com a relativização da tutela e a debilitação praticamente total da Funai como intermediadora das ações indígenas. As jovens lideranças indígenas aprenderam a fazer o seu próprio caminho por dentro da máquina administrativa e judiciária, levando o processo jurídico até limites que a Funai, enquanto sua tutora legal, nunca alcançou. Os posseiros, já não podem acusar o Estado de artífice de um conflito inexistente, nem podem justificar suas estratégias de permanência naquelas terras como uma resistência à ação expropriadora estatal. O Estado não opera mais como o vértice que permitia sublimar a violência latente produzida pelo impasse de quase 60 anos”, afirma.

No artigo “Os Pankararu e a Redução das Terras do Brejo dos Padres”, o antropólogo Renato Athias diz que, o conflito remonta ao século XVIII. Segundo ele, os Pankararu “estão brigando com os agentes da sociedade de nacional, fazendeiros e posseiros, posseiros fazendeiros e todos afirmando que essa terra lhes pertence. Olhando a história das fronteiras agropastoris que avançam sobre as terras tradicionais indígenas, a burocracia e os interesses do Estado Brasileiro não vai permitir que essa situação de conflito seja de fato resolvida. A situação atual não é diferente do que foi nesses últimos 317 anos para as populações indígenas da Serra Negra que se encontram espalhadas na região do  submédio Rio São Francisco. O conflito atual dos Pankararu com os posseiros pode ter outro nome hoje, mas é o mesmo em todas na essência: pois se trata da redução das terras indígenas e a intolerância a identidade indígena. Essa mesma luta já passa por diferentes gerações de Pankararu. Já falava Carlos Estevão em 1935 em “...solicitar a interferência do Ministério da Guerra” para “torne efetiva a demarcação” e que os problema da terra fosse resolvido. Passaram já 82 anos e o problema continua”. Leia o artigo na íntegra: Os Pankararu e a Redução das Terras do Brejo dos Padres.

Veja também:


TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL 

As terras indígenas (TIs) no Brasil somam 706 áreas, com extensão total de 117.380.129 hectares, correspondente a 13,8% do território nacional. A distribuição das Terras Indígenas Regularizadas por região administrativa no Brasil é a seguinte: 54% no Norte, Centro-Oeste 19%, 11% no Nordeste, Sul 10%, e Sudeste 6%. No total de 426 Terras Indígenas e 36 Reservas indígenas, conforme gráfico:


No Nordeste, região onde está situada a Terra Indígena Pankararu, apesar de ter a segunda maior população indígena do Brasil, responde por apenas 11% das Terras Indígenas Regularizadas, conforme dados da Funai, como mostrados no gráfico acima. Veja a distribuição da população indígena em todas as regiões.


A Amazônia Legal, que abrange a totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte dos estados do Mato Grosso, Maranhão e Goiás, concentra a maior parte das Terras Indígenas; são 419 áreas, perfazendo 115.342.101 hectares – 98.33% da extensão de todas as TIs do país se localizam na Amazônia Legal, o restante - 1.67% - estão distribuídas pelas regiões Nordeste, Sudeste, Sul e estados de Mato Grosso do Sul e Goiás, de acordo com dados do ISA


Ressalta-se que 8% das 426 terras indígenas tradicionalmente ocupadas que já estão regularizadas, inclusive algumas com presença de índios isolados e de recente contato, não se encontram na posse plena das comunidades indígenas, conforme aponta a Funai.  

Esses dados podem revelar que, mesmo sendo as populações dessas áreas fora da Amazônia Legal muito numerosas e os territórios reivindicados sendo diminutos, ainda assim, as tensões para garanti-los como de posse plena dos povos indígenas são constantes e a disposição dos órgãos públicos e do governo em regularizá-las, não caminham na mesma proporção.

Saiba mais sobre a localização e histórico da Terra Indígena Pankararu

Veja mapa com as localização das áreas quilombolas e indígenas nos sertões do estado de Pernambuco:
Fonte: Projeto "Do buraco ao mundo" (comunidade quilombola Tiririca dos Crioulos, Carnaubeira da Penha, PE) - Elaboração: Samuel Gomes

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Colaborou: Alexandre Gomes e Janete Melo

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