Por Fernanda Cristina Moreira
Os Sateré Mawé, guerreiros temidos
em sua história pelas flechas envenenadas lançadas contra os colonizadores e
conhecidos por sua coragem no enfrentamento às formigas tucandeiras, estiveram
reunidos na I Assembleia Geral do Povo Sateré Mawé do Alto Rio Andirá, de 31 de
agosto a 2 de setembro de 2017, na aldeia Vila Nova.
Organizado pela Associação de Apoio ao
Desenvolvimento Sustentável Social e à preservação da cultura Sateré Mawé do
rio Andirá (ASAMAV), o evento pretendia reforçar a urgência de se caminhar em direção
à organização e união dos sateré-maué e dos povos indígenas de todo o país para
lutarem contra os ataques aos seus direitos. Estiveram presentes lideranças e
organizações representantes das cerca de 100 aldeias da Terra Indígena
Andirá-Marau, distribuídas ao longo dos rios Marau, Urupadi, Manjuru, Miriti,
Andirá, Uicurapá, Mariacuã e Mamuru, incluindo o Conselho Geral dos Sateré Maué
(CGTSM) e a TUMUP (Associação de Tuxauas e lideranças do rio Marau e Urupadi),
bem como organizações governamentais, não governamentais e igrejas.
Na abertura, Samuel Batista, tuxaua
da aldeia Bom Jardim, explicou a origem do waraná, enquanto as mulheres
Sateré-Maué, guardiães do princípio do conhecimento, ralavam e preparavam a
bebida, tomada e apreciada com parcimônia na abertura de seus eventos. O ritual
e a apreciação do guaraná, nos dias de hoje, atualizam acontecimentos dos
tempos antigos, quando, segundo o cacique, um menino Sateré-Maué foi morto por
seus tios por ter coletado o fruto do pé de guaraná plantado por sua mãe. Para
demonstrar a força do fruto e a dignidade de seu filho, ela o transformou no
princípio do conhecimento, o guaraná, que acompanha seu povo por toda sua
trajetória.
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Cacicas e professoras
Sateré Mawé participam da Assembleia Geral do Alto Rio Andirá. Foto: Fernanda
Moreira
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Ritual de abertura - Dona Claudemira preparando o Guaraná. Foto: Leonardo Martins |
Após a saudação do Waraná, reflexões sobre a conjuntura política indigenista nacional e regional deram início a Assembleia. Ao longo de todo o evento, os indígenas levantaram as dificuldades trazidas pelas fronteiras dos Estados do Pará e Amazonas e dos municípios – Maués, Barreirinha, Parintins, Juruti, Aveiro e Itaituba que cortam o seu território com implicações no atendimento a saúde, educação e assistência por parte da FUNAI e dos órgãos públicos municipais e estaduais.
Foram discutidas, ainda, as ameaças
ao território e ao modo de vida Sateré-Maué, como projetos hidrelétricos,
projetos de Concessão Florestal no limite noroeste da TI, no rio Mamuru e a
implementação desastrosa de políticas públicas padronizadas como o “Luz para
todos”, desconsiderando-se a realidade dos povos indígenas, as características
e peculiaridades de seu modo de ocupação do território e omitindo informações
sobre os impactos das obras e intervenções necessárias para sua consolidação.
Os indígenas afirmaram que seu direito à consulta livre, prévia e informada vem
sendo sistematicamente desrespeitado pelo Governo Brasileiro, em âmbito
municipal, estadual e federal.
O representante Sateré Maué da
Coordenação Técnica Local de Parintins da FUNAI, Tomás Batista de Oliveira,
lembrou que, desde o final da década de 80, foi submetida ao órgão indigenista
uma reivindicação de ampliação da Terra Indígena Andirá-Marau, justamente nessa
área onde se instalaram madeireiros e grileiros. “Até hoje não houve nenhuma
manifestação ou movimentação por parte do órgão indigenista, assim como não há
fiscalização ou monitoramento do território Sateré-Maué, o que deixa as
famílias das Aldeias Vigilância Barro Branco e Ipiranga em uma situação de
vulnerabilidade e insegurança”, completou Leonardo Martins, assessor da ASAMAV.
Lembrando que há mais de 500 anos
os Sateré resistiram às invasões e ao extermínio de seu povo, lideranças
trouxeram à tona a luta, nos anos 80, pela demarcação do território, a primeira
demarcação de Terra Indígena do Estado do Amazonas e a expulsão da petroleira
francesa Elf equitainer. “Nós somos um povo guerreiro, mostramos nossa coragem
no ritual da Tucandeira e estamos prontos para enfrentar o Governo”, afirmou
Luciano, professor da aldeia Vista Alegre.
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Celebração da união e aliança
entre os caciques (tuisá) da TI Andirá-Marau na luta por seus direitos. Foto:
Fernanda Moreira
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Muito se discutiu sobre um caminho
autônomo do povo Sateré-Maué, a partir do fortalecimento e valorização de seus
conhecimentos, histórias e práticas tradicionais. Obadias Garcia,
vice-presidente do CGTSM destacou o projeto de licenciatura integrada na TI
Andira´-Marau, realizado também no Alto Rio Negro e na Terra Indígena Yanomami.
A livre academia Wará atende cerca de 40 estudantes e pesquisadores
Sateré-maué, os quais são responsáveis pela construção do currículo e do
projeto político pedagógico, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). Os participantes constroem o plano de pesquisa e estudo a partir de
entrevistas e conversas com velhos sábios e da visita a aldeias, locais
sagrados e áreas importantes para a sobrevivência física e cultural de seu povo
indígena. “O conhecimento para nós está em todo o universo e não apenas na sala
de aula. Desde que comecei a licenciatura, eu passei a valorizar o conhecimento
dos nossos antigos e as histórias que eles contam”, comentou Franciel,
estudante/pesquisador do Wará.
Em carta produzida na plenária, os
presentes manifestaram-se sobre as investidas anti-indígenas do Governo e
reafirmaram o compromisso em continuarem se organizando e resistindo.
Nesse sentido, as aldeias do Alto
rio Andirá elegeram seu tuisa (cacique) maior Cândido Dias de Oliveira, atual
presidente da ASAMAV, aclamado também por dois tuisa gerais do povo Sateré,
Amado Menezes do rio Baixo Andirá e Samuel Lopes do rio Marau e pelo vice-tuisa
do rio Uicurapá, Paulo Batista, diante de representantes dos órgãos
indigenistas FUNAI e SESAI.
“Fico muito agradecido e contente
com iniciativa da ASAMAV e com o tuisa Candido Dias, por ter conseguido juntar
novamente o povo Sateré-Maué. Como tuisa me coloco à disposição para andarmos
de mãos dadas em busca de soluções para a situação do nosso povo”, destacou o
cacique geral Amado Menezes.
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Presidente da ASAMAV, Candido
Dias, é aclamado como tuisa geral do alto rio Andirá e recebe saudações do
tuisa-geral Amado Menezes e de mulheres Sateré Mawé. Foto: Fernanda Moreira
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Leia a carta na íntegra
CARTA
DA I ASSEMBLEIA GERAL DO ALTO RIO ANDIRÁ - PARÁ
Nós
Lideranças Indígenas reunidas na I ASSEMBLÉIA GERAL DO POVO SATERÉ MAWÉ DO ALTO
RIO ANDIRÁ, no Município de Aveiro – PA, Promovido pela Associação ASAMAV nos
dias 31 de agosto a 02 de Setembro na Aldeia Vila Nova I com a presença de
várias Aldeias e entidades Governamentais e Não Governamentais e igrejas, através
desta carta reforçamos que somos um povo de muita coragem, como vemos no nosso
ritual da tucandeira e estamos prontos para enfrentar as ameaças.
Seguindo
os rastros de nossos ancestrais guerreiros, que enfrentaram os colonizadores
com as flechas envenenadas, anunciamos que continuaremos nossa luta por
direitos de outras formas. Os antigos deixaram suas marcas quando nos anos 80
conseguiram a demarcação do nosso território tradicional, o primeiro do estado
do Amazonas e expulsaram as petroleiras que queriam destruir nossa floresta.
Agora, nós jovens e novas lideranças, com ajuda dos antigos, levaremos em
frente essa luta.
Nossa
história conta que os rios nasceram de uma mulher Sateré-Mawé e junto com os
movimentos da serpente, foram se dividindo e formando os rios Tapajós, Andirá,
Marau e seus afluentes, nossas principais fontes de vida. Hoje nossa água e
nossa terra sagrada estão ameaçadas pela exploração madeireira, pela mineração
e outros projetos trazidos pelos não indígenas. Ao lado dos maridos, as
mulheres Sateré-Maué também continuarão lutando, gerando e cultivando a vida,
cuidando da terra e do rio e defendendo nosso território.
Mesmo
tendo nossa terra demarcada, sabemos que essa é só uma pequena parte do
território por onde andaram os Sateré-Maué e também que a demarcação, feita
antes da Constituição de 1988, não considerou as áreas de preservação ambiental
e os locais importantes para nossa sobrevivência física e cultural. Por isso,
desde o final dos anos 80, reivindicamos à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) a
ampliação da Terra Indígena Andirá-Marau.
Essa
parte do nosso território ancestral, ainda não reconhecida pelo Estado, está
localizada na região do Mamuru, onde está a aldeia Campo Branco. As famílias
que vivem por lá estão sendo ameaçadas e intimidadas por grileiros, fazendeiros
e madeireiros e não dispõem de rádio ou transporte para se protegerem e denunciarem
a situação. Os órgãos governamentais também nunca realizaram fiscalização,
apesar das nossas denúncias.
O
Governo, junto com as grandes empresas, impõe medidas e projetos que impactam
nossos territórios e nosso modo de vida sem antes nos consultar de forma livre,
prévia e informada, como está previsto na Convenção 169 da OIT. Além de
projetos de Manejo Madeireiro nessa mesma região do Mamuru, que trazem enormes
impactos ambientais, também sabemos que as empresas de mineração cobiçam nosso
território, que pesquisadores estão buscando locais para fazer pequenas
centrais hidrelétricas e sofremos com a forma como foi implantado o projeto
“luz para todos”. Quando ofereceram “acesso a energia”, não soubemos que
abririam uma estrada derrubando nossas roças e árvores frutíferas que são a
base da nossa alimentação. Além disso, essa “política pública”, que o Governo
disse que iria trazer benefícios, trouxe muitos estranhos para dentro da Terra
Indígena e impactos negativos para nosso povo e nossa organização social.
O
Governo só está trazendo o mal e a exploração. Além de fazer leis e medidas
anti-indígenas, tentar desmontar a Constituição e retirar nossos direitos
conquistados com muito suor desde 88, o governo deixa de cumprir suas
obrigações em nos proporcionar saúde e educação diferenciada. Nossas escolas do
Alto Rio Andirá estão em uma situação precária. Não há estrutura mínima, prédio
escolar, lousa, carteiras, não recebemos material didático, merenda escolar e
nem formação dos nossos professores.
Diante
de tantas ameaças, anunciamos que continuaremos resistindo. Repudiamos a PEC
215, o PL 1610 (que autoriza mineração em Terras Indígenas) e todas as medidas
que ameaçam nossos direitos territoriais. Também somos contra todas as medidas
do Governo Temer que retiram direitos sociais, como a reforma da previdência, e
que desmontam o Estado, como a PEC 55, que congela os gastos públicos por 20
anos e impactou o orçamento da saúde, educação e FUNAI, atingindo diretamente
os povos indígenas.
Acompanhados
pelo nosso ancestral Waraná, estamos nessa reunião nos reorganizando e
fortalecendo nossas organizações Satere-Maué e juntando a força das mulheres,
pajés, líderes espirituais, jovens, professores, crianças, velhos, tuisa para
enfrentar o projeto de extermínio dos asiagpotꞌuria (não indígena) e EXIGIMOS:
-
que o Governo nos consulte sobre qualquer empreendimento, projeto ou medida
legal e administrativa que afete nosso povo e nosso território, conforme
Convenção 169 da OIT;
-
que suspenda o projeto de Manejo Florestal Madeireiro realizado no entorno da
TI Andirá-Marau até que sejam realizados estudos de impacto ambiental e social
e realizada a consulta prévia, livre e informada ao povo Sateré-Maué;
-
A suspensão imediata dos efeitos do parecer 01-2017 da Advocacia-Geral da
União, assinado pelo Presidente Michel Temer, que obriga toda a administração
pública a proceder de acordo com as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol;
-
a retomada imediata e conclusão pela FUNAI do processo de ampliação da Terra
Indígena Andirá-Marau que se arrasta desde o final dos anos 80;
-
a fiscalização dos limites do nosso território por parte dos órgãos
indigenistas e ambientais e a retirada dos invasores que trazem coisas ruins
para dentro da terra indígena, de acordo com a nossa orientação e respeitando
nossa soberania e autonomia;
-
a proteção e garantia territorial dos nossos parentes isolados por parte do
Governo;
-
a estruturação da CTL- FUNAI Parintins e Maués_ AM e da CR Tapajós – Itaituba
do Estado Pará para que possam garantir os nossos direito;
-
a transparência na gestão dos recursos destinados à Educação Escolar Indígena,
hoje repassados a Prefeitura de Barreirinha, que não estão sendo aplicados nas
aldeias do Alto Rio Andirá;
-
o retorno urgente sobre a proposta de transição da gestão para o município de
Aveiro, com o acompanhamento do povo Sateré-Maué e efetiva melhoria na educação
escolar indígena, principalmente nas aldeias do Alto Rio Andirá;
- que a SESAI apresente seu plano distrital e a
secretaria de saúde do município de Barreirinha seus projetos às lideranças,
organizações e associações do povo Sateré-Maué, para que possamos acompanhar a
implementação das políticas de saúde indígena, a construção de UBSs e poços
artesianos nas aldeias.
Aldeia
Vila Nova I, 02 de Setembro de 2017
Assinam:
ASAMAV
– Associação de Apoio ao Desenvolvimento de Sustentável da Cultura Indígena
Sateré Mawé do Rio Andirá
CGTSM
– Conselho Geral da Tribo Sateré-Maué
TUMUP – Organização
dos Tuisas Sateré-Maué dos rios Marau e Urupadi
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Aldeia Vila Nova, local da I Assembleia Geral do povo
Sateré Mawé do Alto Rio Andirá. Foto: Fernanda Moreira
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