Organizações indígenas e indigenistas publicaram, nesta terça-feira, 12/9, notas de repúdio contra o massacre no Vale do Javari. Reproduzimos a carta dos servidores do órgão indigenista oficial.
Carta dos Servidores das Frentes de Proteção Etnoambiental e da
Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai
Ao Presidente da Funai,
Sr. Franklimberg Ribeiro
Sr. Franklimberg Ribeiro
À Diretora de Proteção Territorial,
Sra. Azelene Inácio
Sra. Azelene Inácio
Senhor Presidente e Senhora Diretora,
Na última semana, nós, servidores da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs), tomamos conhecimento através da mídia de que estão em tramitação na Funai as exonerações da Coordenadora-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, Leila Sílvia B. Sotto-Maior, e da Coordenadora de Planejamento e Apoio às Frentes de Proteção Etnoambiental, Paula W. L. Pires.
Nesse sentido, temos a informar que as duas servidoras cujas exonerações estão
sendo encaminhadas possuem sólida formação acadêmica na área das Ciências
Humanas, possuem ampla experiência de trabalho junto aos povos indígenas e,
principalmente, possuem conhecimentos técnicos relativos à gestão da Funai e
das FPEs. Dito isso, caso haja intenção real de nomeações sem diálogo com as
FPEs, como é de costume, e de pessoas sem o devido preparo técnico necessário,
consideraríamos que seria um desmonte técnico, ou eventual ingerência política
na CGIIRC e FPEs. Caso isso venha a se concretizar, só nos restaria manifestar
nossa indignação e repúdio para as autoridades competentes.
Enfatizamos que a Política de Proteção aos Povos Isolados e de Recente Contato
é coordenada pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato
(CGIIRC) e efetivada em campo pelas equipes das Frentes de Proteção
Etnoambiental (FPEs). As ações de proteção territorial e de promoção de
direitos são norteadas por uma metodologia de trabalho extremamente criteriosa,
consolidada ao longo de 30 anos e orientada por princípios como o do não
contato, da precaução, da garantia da posse plena e da proteção ambiental dos
territórios indígenas.
Atualmente, 11 FPEs atuam na Amazônia Legal Brasileira: FPE Awá (Maranhão), FPE
Médio Xingu (Pará), FPE Cuminapanema (Pará e Amapá), FPE Yanomami/Ye’kuana
(Roraima e Amazonas), FPE Waimiri-Atroari (Amazonas), FPE Madeira-Purus
(Amazonas), FPE Vale do Javari (Amazonas), FPE Envira (Acre), FPE
Uru-Eu-Wau-Wau (Rondônia), FPE Guaporé (Rondônia) e FPE Madeirinha-Juruena
(Mato Grosso). Por conta dessa atuação da Funai, a política pública brasileira
de proteção de povos isolados e de recente contato é hoje reconhecida como uma
política de referência por outros países onde também há a presença destas
populações. Enfatizamos, inclusive, que a efetividade dessa política faz com
que o Brasil continue sendo o país com o maior conjunto conhecido de povos e grupos
indígenas isolados no mundo.
Em especial, gostaríamos de alertar Vossas Senhorias sobre as consequências que
as indicações meramente políticas na CGIIRC podem acarretar para o bem-estar
físico e cultural dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil,
haja vista que alguns desses povos estão submetidos a situações vulnerabilidade
extrema, incluindo o risco de genocídio (por exemplo, nas TIs Vale do Javari -
AM, Araribóia-MA e Yanomami - RR e AM).
Enquanto política pública, o trabalho de proteção dos povos isolados e de
recente contato está amparado em diversos instrumentos jurídicos e normativos,
nacionais e internacionais, sendo os principais a Constituição Federal de 1988,
artigo 231; o Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996; o Estatuto da
Fundação Nacional do Índio; a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais (ratificada pelo Brasil por meio
do Decreto nº 5051, de 19 de abril de 2004); e a Declaração Americana Sobre os
Direitos dos Povos Indígenas.
Recentemente, em 2016, por meio da Portaria/PRES148, de 07/03/2017, foi criado
o Conselho da Política de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas
Isolados e de Recente Contato, cujo objetivo é estabelecer diretrizes e
normativas dessa política pública específica.
Mesmo tendo um sólido fundamento legal e sendo considerada como uma política
indigenista de excelência, a Política de Proteção aos Povos Indígenas Isolados
e de Recente Contato vem passando nos últimos anos, e sem dúvida com muito
maior intensidade nos últimos meses, por um processo de sucateamento e
desestruturação com um significativo corte de recursos humanos e financeiros.
Conforme proposta de distribuição interna de recursos para o
Projeto de Lei Orçamentaria (PLOA) - 2018 encaminhada recentemente pela gestão
da Funai, o orçamento previsto para a política pública direcionada aos povos
isolados e de recente contato, para o ano de 2018, será cerca de 60% menor em
comparação com a LOA de 2015 ficando, desta forma, bastante abaixo da linha de
cortes gerais da Funai. Nesse sentido, caso o orçamento destinado à
operacionalização das FPEs não seja imediatamente readequado em função de
nossas atribuições regimentais, ocorrerá o fechamento de Bases e paralisação
geral das atividades das FPEs, acarretando num aumento vertiginoso de invasões
ilegais aos territórios ocupados pelos povos indígenas isolados, sob atuação
das FPEs, culminando em situações de conflitos, massacres e de consequente
genocídio dos povos indígenas isolados. Todos os avanços pós-constitucionais e
de reconhecimento da política indigenista brasileira serão derrubados,
colocando o Estado brasileiro definitivamente no quadro de países violadores de
direitos humanos. Será, sem dúvida, um dos maiores retrocessos da história
indigenista brasileira.
Tal processo vem se dando paralelamente ao processo de ataque
aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988 e
por diversos instrumentos normativos subsequentes. Provas desse processo de
sucateamento são as sucessivas cartas com reivindicações que os Coordenadores
das Frentes de Proteção Etnoambiental vêm encaminhando formalmente para a
Diretoria Colegiada e para a Presidência da Funai desde 2013. Além disso, o
processo mais geral de sucateamento da política indigenista e de ataque aos
direitos indígenas foi devidamente identificado e caracterizado no “Diagnóstico
Sistêmico sobre Organização e Funcionamento da Funai”, elaborado pelo Tribunal
de Contas da União (TCU) e no “Relatório da Missão ao Brasil da Relatora
Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, elaborado pela Sra. Victoria
Tauli-Corpuz, Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Assim, considerando:
(i) que a CGIIRC é uma Coordenação- Geral da Funai extremamente
sensível em razão da natureza e da complexidade da ação indigenista junto a
povos isolados e de recente contato,
(ii) que há no Brasil povos isolados e de recente contato em
risco iminente de genocídio,
(iii) que historicamente o processo de nomeação do
Coordenador-Geral da CGIIRC é fruto de um consenso entre a DPT e os
Coordenadores das FPEs,
(iv) que orçamento previsto para as FPEs está muito aquém do necessário para o
cumprimento mínimo de nossas atribuições.
Solicitamos o arquivamento imediato dos processos de exoneração
e nomeação na CGIIRC, e uma audiência entre os Coordenadores das FPEs, a
CGIIRC, a DPT, DAGES e a Presidência da Funai para traçamos, juntos, o futuro e
fortalecimento desta política, bem como a readequação do orçamento destinado à CGIIRC/FPEs.
Atenciosamente,
Altair Algayer - Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental
Guaporé/RO
Antonio Lima Saldanha - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do
Javari/AM
Ariovaldo dos Santos - servidor da CGIIRC
Bernardo Natividade Vargas da Silva - servidor da Frente de Proteção
Etnoambiental Vale do Javari/AM
Bruno da Cunha Araújo Pereira – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Vale do Javari/AM
Bruno de Lima e Silva - Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA
Carolina Ribeiro Santana – servidora da CGIIRC
Clarisse Jabur – Coordenadora de Políticas para Povos Indígenas de Recente
Contato
Daianne Veras Pereira - servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA
Daniel Cangussu - Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental
Madeira-Purus/AM
Edimar Firmino da Silva - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Envira/AC
Eumar Vasques da Silva - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do
Javari/AM
Fabio Nogueira Ribeiro - Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental
Cuminapanema/PA
Fábio Crespino Passos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO
Fabrício Ferreira Amorim – Coordenador de Proteção e Localização de Índios
Isolados
Fernanda Nunes – servidora da CGIIRC
Franciele Honorato – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental
Guaporé/RO
Gustavo Vieira Peixoto Cruz - servidor da CGIIRC
Gustavo Sena de Souza - Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do
Javari/AM
Idnilda Obando de Oliveira – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Vale
do Javari/AM
Jair Candor - Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental
Madeirinha-Juruena/MT
Jeferson Lima - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Joelmo Santos de Souza – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Cuminapanema/PA
Luciano Pohl - Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Médio
Xingu/PA
Luciene Montessi Marcio - servidora da Frente de Proteção Etnoambiental
Guaporé/RO
Luis Carlos dos Santos - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA
Luiz Rayone Costa de Almeida - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Envira/AC
Marcelo Fernando Batista Torres – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Envira/AC
Marcus Vinícius Boni - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Maria de Jesus Bezerra Santos - servidora da Frente de Proteção Etnoambiental
Awa/MA
Maria José Rosa - servidora da CGIIRC
Maria Socorro Martins de Paula - servidora da CGIIRC
Neide Martins Siqueira - servidora da CGIIRC
Pablo Rodrigues de Brito – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio
Xingu/PA
Pâmella Barros dos Reis Silva – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental
Envira/AC
Paula Wolthers Pires – Coordenadora de Planejamento e Apoio às Frentes de
Proteção Etnoambiental/CGIIRC
Paulo Pereira da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Guaporé/RO
Paulo Pheene – servidor da CGIIRC
Renan Augusto da Silva Sampaio - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Envira/AC
Rieli Franciscato – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental
Uru-Eu-Wau-Wau/RO
Rui Fernando Sarges Carvalho - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Médio Xingu/PA
Sérgio Ribeiro dos Santos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio
Xingu/PA
Thiago Mota Meirelles - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Vitor Roger Nogueira David - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale
do Javari/AM
William Iafuri – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Wilson Medeiros dos Santos - servidor da Frente de Proteção Etnoambiental
Envira/AC
Foto aérea de uma aldeia queimada, feita em dezembro de 2016 pela Funai, em sobrevoo, pode ser o indicativo de um massacre dos indígenas Warikama Djapar, denunciado pelos indígenas Kanamari em julho (Fonte: Carta Capital)