Por Renato Santana,
de Brasília (DF)
O indígena Paulino Terena acabou baleado na perna direita
depois que homens não-identificados atacaram a tiros, na madrugada desta
segunda-feita, 19, a aldeia e a casa onde ele vive com a família. O terena é
liderança da retomada Pillad Rebuá, território indígena localizado no município
de Miranda, no Mato Grosso do Sul (MS), região do Pantanal, foco de conflito
agrário. Este é o terceiro atentado sofrido pelo indígena em menos de um ano -
na foto acima, Paulino se recupera entre familiares.
“Foram muitos tiros. Nunca que eu tinha visto tantos assim.
Não vieram para assustar, mas para me matar. Estou bem e não vamos desistir de
nossas terras”, conta Paulino. No final da manhã o indígena saiu do hospital de
Miranda, onde passou por cirurgia para a retirada do projétil alojado na
panturrilha. Ele lembra que acordou por volta das 4h30 com o avô gritando que a
aldeia estava sob ataque. Tão logo ouviu os tiros, pulou da cama para a porta
da casa.
Antes de abrir a porta, porém, ligou para que os guerreiros
soassem o alarme aos demais. “Quando sai de casa começaram a atirar. Corri na
direção do meu carro, mas não consegui tirá-lo do lugar. Eu fiquei com a
impressão que um terena tinha sido baleado e então decidi sair do carro. Foi
quando um tiro acertou minha perna”, relata Paulino. Conforme os guerreiros
terena, os homens estavam em carros e motos, mas não é possível precisar
quantos.
Protegido pelos guerreiros, Paulino foi encaminhado ao
hospital. Enquanto era atendido, conforme a liderança, caminhonetes usadas
pelos fazendeiros e seus capangas passaram a circular pelo entorno do hospital.
Com o clima cada vez mais tenso, a polícia foi acionada. “Eu não tenho nada
contra ninguém. Não é de hoje que me ameaçam por conta da terra. Minha cabeça
tem preço. Para onde eu vou tenho de ir acompanhado”, declara Paulino.
Devido aos atentados e ameaças, a liderança entrou para o
Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do governo
federal, que já está tratando do caso e acompanhando o indígena terena. Além da
luta pela terra, Paulino também representou o Conselho do Povo Terena em ação
judicial movida contra o Leilão da Resistência, evento organizado por políticos
ruralistas e fazendeiros para arrecadar dinheiro a ser investido na “segurança”
contra as retomadas indígenas.
Incêndios e atentados
Em Miranda a violência contra o povo Terena não começou com
a retomada de Pillad Rebuá. Vem de mais tempo e como reflexo da luta dos
indígenas por suas terras tradicionais. Em 4 de junho de 2011, um ônibus que
transportava cerca de 30 estudantes Terena, a maioria entre 15 e 17 anos, foi
atacado com pedras e coquetéis molotov. Seis pessoas, incluindo o motorista,
sofreram queimaduras. Quatro foram internadas em estado grave.
A estudante Lurdesvoni Pires, de 28 anos, faleceu, vítima de
ferimentos causados pelas queimaduras. Na época, lideranças terena creditaram o
ataque a proprietários rurais da região, no contexto da disputa pela demarcação
das terras indígenas. No dia 28 de
novembro do ano passado, também em Miranda, um ônibus vazio que realizava
transporte de alunos terena foi incendiado. Ele fazia o trajeto pela terra
indígena Cachoeirinha, também alvo de conflito.
No dia 6 de dezembro do ano passado quatro homens
encapuzados atearam fogo no carro do indígena depois de emboscada. Tentaram
atear fogo em Paulino, que fugiu para o mato entre os tiros dos pistoleiros.
Três dias depois a casa do indígena foi arrombada. Paulino denunciou à Polícia,
Funai e Ministério Público Federal (MPF) as sucessivas ameaças de morte que
vinha recebendo. No último mês, durante a 4a. Assembleia do Povo Terena, a
comunidade de Pillad entregou uma carta ao Conselho Terena, relatando que
"[fazendeiros] querem a cabeça dele [Paulino] como troféu".
Histórico
Os 2,2 mil indígenas Terena de Pillad Rebuá, até as
retomadas, viviam em 94 hectares, divididos em duas aldeias, Moreira e
Passarinho. Pillad teve o primeiro registro de reconhecimento pelo Estado em
1904. Um processo de demarcação teve início em 1950, mas não seguiu.
Em outubro do ano passado, cerca de 300 indígenas do povo
Terena retomaram duas propriedades localizadas dentro de Pillad, exigindo que
fosse instituído o Grupo de Trabalho (GT) para finalizar o processo de
identificação e demarcação da terra indígena, cuja dimensão apontada nos laudos
iniciais da Fundação Nacional do Índio (Funai) é de 10.400 hectares.
Em 10 de novembro, ainda em 2013, este grupo de Terena que
realizou a retomada foi atacado por homens armados, em caminhonetes. Cápsulas
de 9mm foram encontradas no local e entregues à Polícia Federal. Na sede da
propriedade foram encontrados diversos buracos de bala no telhado, paredes e em
um bebedouro.
Dois dias depois, fazendeiros expulsaram à tiros indígenas
que haviam retomado parte de uma outra fazenda que também incide sobre a área
reivindicada como a terra indígena Pillad Rebuá. Um trator pertencente à
comunidade também foi incendiado. Ninguém ficou ferido.
Enviado pelo Conselho Indigenista Missionário - Cimi