O jornalista Alceu Castilho passou uma semana no município de Humaitá e produziu uma grande reportagem para a Pública – Agência de Jornalismo Investigativo – sobre os conflitos no sul do Amazonas. O texto está dividido em duas partes e é leitura fundamental para entendermos a face oculta das agressões, do racismo e todo o discurso de ódio contra os povos indígenas nessa região.
Madeireiras, agronegócio, garimpo ilegal, a teia de interesses nos ataques aos Tenharim, Parintintin, Jihaui e a omissão/conivência do poder público. Confira na reportagem:
Parte I
13.01.2014
Terra Indígena Tenharim, km 123 da Rodovia Transamazônica,
sul do Amazonas. 27 de dezembro de 2013. De um lado da ponte sobre o Rio
Marmelos, de Manicoré para Humaitá, centenas de homens, 50 deles armados. Do
lado de Humaitá, 100 guerreiros da etnia Tenharim, 50 de cada lado da estrada.
Também armados. Zelito Tenharim, funcionário da Fundação Nacional do Índio
(Funai), está no grupo que liga do orelhão para o ministro Gilberto Carvalho,
da Secretaria-Geral da Presidência da República. O ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, e a presidente da Funai também participam da conversa. E
ouvem, ao fundo, os gritos da multidão. Todos ouvem a exigência do cacique Léo
Tenharim: a Polícia Federal deve ser mandada para o local em meia hora, “senão
vai ter derramamento de sangue”. Naquele momento, o grupo liderado por
comerciantes, madeireiros e pecuaristas de Apuí e do distrito de Santo Antônio
do Matupi avançava sobre a ponte e queimava os postos de pedágio em Terra
Indígena. Quando chega a PF, dispersam. Os Tenharim assistem à cena. Os mais
velhos somem para o meio da mata. “Quando viram aqueles homens de preto acharam
que era o fim do mundo”, conta Zelito, rememorando o episódio. Mulheres e crianças
também fogem. Nove ficam perdidos: três mães, com três crianças de colo, duas
crianças de 2 anos e um menino de 10 anos, Laudinei Tenharim. Dias depois são
resgatados, traumatizados, com febre e ferimentos. Na sexta-feira, 3 de
janeiro, sete famílias ainda estavam no meio do mato.
Parte ll
14.01.2014
A história do conflito em Humaitá é também a história da
BR-230, a Rodovia Transamazônica. A rodovia rasgou a cidade – e também o
território ocupado pelos indígenas. Com 4.223 quilômetros, ela foi inaugurada
em 1972 pelo ditador Emílio Garrastazu Médici. Agora os Tenharim querem contar
com detalhes essa história, como disseram à reportagem da Pública, recebida por
eles no dia 3 de janeiro.
Em Humaitá, os brancos também conhecem o enredo, mas
preferem falar em off sobre a violência cometida naquele tempo. “Quem veio para
cá foram homens”, conta um dos entrevistados. “Aí quem queria pegar uma mulher
tinha de matar um índio e pegar uma índia”.
Alceu Castilho é autor do livro "Partido da Terra - como os políticos conquistam o território brasileiro". Editora Contexto.