Ruy Sposati, de Japorã (MS)
Apesar da suspensão, indígenas reafirmam que não cumprirão
outras reintegrações de posse. "Demarcação agora é guerra",
declararam em carta os Guarani e Kaiowá.
Um dia depois da suspensão de um das quatro reintegração de
posse contrárias à permanência de cinco mil Guarani Ñandeva no tekoha Yvy
Katu, na última terça-feira, 17, os indígenas anunciaram que não cumprirão as
outras decisões judiciais, estão "prontos para morrer" e exigem que o
governo federal finalize o processo de demarcação da terrra, declarada em 2005.
"Nós estamos há mais de 78 dias e 78 noites acampados
em nossa própria terra e vamos ficar por mais dois mil anos e depois para
sempre. Nós não vamos sair", escreveram os indígenas em carta aberta à
Presidência da República e ao Ministério da Justiça, entregue nesta
quarta-feira ao Ministério Público Federal (MPF).
Sobre a decisão do Tribunal Regional Federal da 3a. Região,
a comunidade afirmou: "nós não ficamos aliviados com essa decisão da
Justiça, porque ela não muda nada. Nós continuamos mobilizados, resistindo
contra ações dos latifundiários".
Menos de 2
Os indígenas argumentam que o território em processo de
demarcação representa uma parcela muito pequena do território de Japorã,
município onde fica a maior parte de Yvy Katu - apesar dos Guarani
representarem metade dos moradores da cidade. "Nós somos 50% da população
do município", explica a liderança indígena Valdomiro Ortiz, "e no
entanto, não estamos lutando por metade do território de Japorã. Ao contrário!
Os 7,5 mil hectares não são nem 6% o território total da cidade. Isso é pelo
que estamos lutando".
"Juntando com a reserva [totalizando 9,4 mil hectares]
e dividindo por todo mundo, dá menos de 2 hectares pra cada um. Estamos lutando
por menos de 2 hectares de terra por indígena aqui em Yvy Katu. Se isso dá vida
digna pra todo mundo? Claro que não dá. Mas é por esses 2 hectares que estamos
lutando, e não por uma cidade inteira", aponta.
Valdomiro relata que há exatos 10 anos, no dia 18 de
dezembro, ocorreu o famoso episódio do confronto com fazendeiros na ponte sobre
o rio Iguatemi. Na ocasião, ruralistas e fazendeiros alegaram protesto pacífico
na ponte par tentar expulsar os Ñandeva do território recém-retomado.
Desarmados, os indígenas tentaram impedir a passagem se posicionando na frente
dos fazendeiros, que dispararam armas de fogo. Com uma reza, relata, um ñanderu
chamou uma tempestade de vento e trovões que afastou os invasores, e os
indígenas permaneceram no local.
"Durante esses 10 anos, nós sofremos muito. E a Justiça
sempre prometendo que estava dando um jeito de solucionar o conflito, de
demarcar, e que daqui 6 meses, daqui um ano estaria resolvido... Se passaram 10
anos e nada", recorda Valdomiro. "Agora, hoje, nós estamos aqui de
novo. Perdemos alguns companheiros, mas não vamos parar. Pelo menos, podemos
tomar banho no nosso rio. Está tudo devastado, mas pelo menos podemos tomar
banho".
Na opinião da liderança, os proprietários de terras que
incidem sobre território indígena devem ser ressarcidos. "Nós defendemos
que os fazendeiros que adquiriam suas terras de boa fé recebam, sim. E deixem
logo a comunidade em paz".
"No dia em que a gente tiver velhinho, quando não puder
nem se arrastar mais no chão, os nossos filhos e os nossos netos vão estar no
nosso tekoha. Apesar de tanta ameaça, apesar do cansaço, do sono, fome e
sofrimento, podemos dizer que estamos felizes por sentirmos que estamos vencendo
aos poucos", conclui.
Publicado na página: Campanha Guarani