Na última
quinta-feira, 31, em três cidades de Portugal – Lisboa, Porto e Coimbra –
ocorreram atos de apoio à campanha da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB) “Sangue Indígena, Nenhuma gota a mais”. Os coletivos organizadores também publicaram um manifesto.
Foto: Bibi Piragibe / Lisboa |
“Foram mais de 10 países e 70 localidades e municípios mobilizadas
para ecoar ao mundo o nosso chamado”. “Somos muitos! Obrigado a todos e todas que se
somaram a nossa mobilização e ao nosso chamado. Seguiremos firmes”, publicou a
APIB.
Foto: Bibi Piragibe / Lisboa |
A Praça Luís
de Camões, no centro de Lisboa, foi palco de uma Vigília em solidariedade aos
povos indígenas brasileiros, contra o etnocídio em curso, e pela preservação da
Floresta Amazônica e demais ecossistemas Brasileiros. Os
apoiadores seguiram em caminhada até à Ribeira das Naus para um ato simbólico e
à noite realizou-se um debate com mostra de filmes indígenas na Casa do Brasil.
No Porto, também às 14h, ocorreu uma concentração e vigília na Praça da
Liberdade e em Coimbra, às 20h, uma conversa aberta e espetáculo sobre o Mito Tikuna e a tragédia de Mariana.
Foto: Bibi Piragibe / Lisboa |
Em nota
publicada a organização informa que, nesse dia 31 de janeiro de 2019, o
“movimento indígena brasileiro realiza vários atos de protesto e
manifestações em simultâneo por todo o Brasil, numa iniciativa coordenada pela
APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. E em várias partes do mundo
estão a surgir gestos em solidariedade”.
O mote é impactante: “Sangue Indígena,
Nenhuma gota a mais”, e pretende chamar a atenção para o etnocídio em curso no
Brasil. Um genocídio cultural que se tem estado a traduzir num crescente número
de ataques e conflitos violentos em territórios indígenas, deixando um rasto de
mortes. Muitos dos mortos são líderes indígenas e ativistas ambientais, diz o
comunicado.
"Esta
mobilização nacional e internacional surge como movimento de repúdio contra a
Medida Provisória 870, assinada pelo atual presidente Jair Bolsonaro, que leva
ao esvaziamento da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), à sua saída do
Ministério da Justiça, bem como à transferência das suas atribuições, da
demarcação e do licenciamento ambiental em terras indígenas para o Ministério
da Agricultura e Pecuária. A demarcação de terras indígenas é um direito
constitucional dos povos originários, reconhecido no Brasil desde 1988. No
entanto mais de 400 territórios continuam por demarcar devido aos grandes
interesses da indústria de exploração de minério, das madeireiras e do chamado
agronegócio, levando a confrontos violentos entre os latifundiários e os
indígenas, que acabam muitas vezes feridos ou mortos", acrescenta a nota.
"As florestas
brasileiras são preciosas para manter a temperatura do planeta abaixo dos 1,5º C e as comunidades indígenas e tradicionais são uma peça chave para travar as
alterações climáticas, pois através das suas tradições e culturas mantêm os
ecossistemas em que habitam vivos e saudáveis".
“O ato que
estamos a organizar vem em resposta ao apelo da APIB, e sentimos a importância
de mostrar a nossa solidariedade para com os povos indígenas brasileiros.
Conhecemos diretamente pessoas destas comunidades e temos noção dos que lutam no
dia-a-dia para sobreviver, e por que apelam à união para uma luta comum”,
refere Sara Baga, membro da rede europeia de apoio aos Guarani e Kaiowá, neste comunicado.
“Vamos criar
um espaço seguro para que possa haver um debate saudável sobre este assunto.
Queremos que haja uma tomada de consciência por parte da sociedade portuguesa,
para que não compactue com o etnocídio e ecocídio em curso no Brasil”, diz Marina Nobre, da Reflorestar Portugal, na mesma nota.
“Convocamos
todos aqueles que se sentem chamados em apoiar esta causa a estarem presentes. A extinção dos modos de existir indígenas está diretamente ligada à extinção da
biodiversidade com que co-habitam. A luta dos povos indígenas do Brasil diz
respeito a Portugal e todos os países que desejam combater as alterações climáticas
e o direito a existir dos povos originários. Esta ação faz parte da constituição
de uma rede de solidariedade ampla contra os retrocessos no Brasil de que
queremos fazer parte ”, afirma Rita Natálio do movimento Contra o ódio, pela
democracia no Brasil.
Foto: Bibi Piragibe / Lisboa |
Os coletivos
publicaram um manifesto em solidariedade aos povos originários do Brasil, que também foi enviado à imprensa lusa e à portais de notícias
no Brasil.
Em Portugal, a RTP
Notícias divulgou: Protesto"contra etnocídio de indígenas" no Brasil passa hoje por Lisboa,Porto e Coimbra
Leia na
íntegra o manifesto:
Manifesto 31
de Janeiro
Solidariedade
Internacional com os Povos Indígenas no Brasil
Enquanto
2019 é declarado o Ano Internacional das Línguas Indígenas pela UNESCO, a
aldeia indígena Pataxó é atingida pela lama tóxica, resultado do desastroso
colapso de uma barragem da empresa Vale, em Brumadinho e inúmeras invasões de
terras e casos de violência contra indígenas são registados por todo o Brasil.
Acentua-se assim o clima de degradação ambiental, de violação de direitos
humanos e destruição do que resta de uma riqueza biocultural ímpar.
Dia 31 de
Janeiro de 2019 lançamos um Manifesto em solidariedade com a mobilização
nacional e internacional da APIB/Articulação dos Povos Indígenas, e com a sua
campanha #JaneiroVermelho contra a Medida Provisória 870, assinada pelo atual presidente Jair Bolsonaro.
Medida esta
que leva ao esvaziamento da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e à sua desvinculação
do Ministério da Justiça, pondo em causa as suas atribuições de demarcação e de
licenciamento ambiental de terras indígenas, colocando em risco as cerca de 300
etnias e as suas 180 línguas. Etnias estas, que são a chave para a regeneração
ambiental, dotadas de uma cosmo-visão ancestral que é fundamental para a
sobrevivência e co-existência de todas as espécies, neste planeta de recursos
finitos.
Com este
manifesto, queremos salientar as problemáticas em questão e reforçar os pedidos
feitos pelas lideranças indígenas brasileiras.
1- A União
Europeia deve impor sanções comerciais a mercadorias oriundas do Brasil. Os
direitos de auto-determinação dos povos e comunidades tradicionais estão a ser
severamente ameaçados devido a dinâmicas de comércio internacional cujos
sistemas e modos de produção provocam a destruição dos recursos naturais e
expropriam comunidades das suas regiões ancestrais. São especialmente
ameaçadores os produtos provenientes das atividades de mineração, extração de petróleo,
pecuária extensiva e do agronegócio: como a carne, a cana de açúcar para
etanol, a soja e o milho, produzidos a partir de grandes extensões de terra
exploradas em regime de monocultivo industrializado, que contaminam e usurpam
territórios tradicionais protegidos não só pela Constituição Brasileira, como
também por tratados internacionais, nomeadamente a Convenção 169 da OIT.
2- O Brasil
é o país com o maior número de mortes de activistas ambientais do mundo,
somando 57 assassinatos em 2017 (dados da ONG Global Witness). Defensores e
defensoras da floresta foram exterminados pelo seu empenho no defesa dos
direitos ambientais, como a Irmã Dorothy Stang (2005), Chico Mendes (1988) e
muitos outros, incluindo inúmeras lideranças indígenas de carácter e ação inspiradora, desconhecidas dos grande público.
3- As
comunidades indígenas e tradicionais são uma peça chave para travar as
alterações climáticas, pois através dos seus modos de vida mantêm os
ecossistemas em que habitam saudáveis e biodiversos, permitindo a manutenção da temperatura, do ciclo da água e da vida no Planeta Terra, tal como o
conhecemos.
4- Portugal
e os demais países da União Europeia são signatários do Acordo de Paris, com o compromisso
de travar o aquecimento global, objectivo que será inatingível se o ritmo de devastação
das florestas e ecossistemas brasileiros se perpetuar. Ser conivente com esta destruição é
não só desrespeitar o acordo assinado como ser cúmplice do crime de ecocídio, o
6º crime contra a humanidade, reconhecido desde 2016 em Direito Penal
Internacional.
5- Apelamos
a que a União Europeia, juntamente com outros países signatários do Acordo de Paris
formem um observatório de direitos humanos relativo à situação dos povos
indígenas no Brasil que estão atualmente a ser vítimas de brutais de violação
de direitos humanos, a um nível que é considerado etnogenocídio.
6-
Posicionamo-nos solidariamente com a APIB contra as medidas do novo governo
brasileiro, e reforçamos o nosso apoio às reivindicações da APIB, que são as
seguintes:
a. Proteção
dos direitos indígenas previstos na Constituição Brasileira.
b.
Demarcação das Terras Indígenas;
c. Garantia
dos direitos humanos e combate à violência contra indígenas;
d. Reconhecimento
dos povos originários e de sua cultura ancestral;
e. Contra a
transferência da FUNAI para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos;
f. Contra a
transferência da demarcação de terras indígenas para o Ministério da
Agricultura.
A destruição
dos ecossistemas brasileiros, em especial o da Floresta Amazônica impacta diretamente o equilíbrio climático, a qualidade do ar e o regime de chuvas de todo o mundo,
e consequentemente a manutenção da biodiversidade da flora e fauna. As
implicações sobre o que se passa no território terrestre a que se chama Brasil
são grandes demais para poderem ser ignoradas dado os níveis de
interdependência que lhe são referentes, e aqui sucintamente mencionados. As
implicações são éticas, morais, ecológicas, econômicas e bioculturais. O que está
em jogo é a sobrevivência de toda a comunidade planetária.
Lisboa,
Portugal.
Signatários:
Reflorestar
Portugal
Coletivo
Andorinha
Contra o
ódio, pela democracia no Brasil
Umar – União
de Mulheres Alternativa e Resposta
Casa do
Brasil
GAIA
Cooperativa
Mandacaru
Guarani
Kaiowa Support Network
Núcleo de
Estudos Africanos e Lusófonos da Universidade Nova de Lisboa/FCSH
c.e.m-
centro em movimento
Associação
Espaço Compaço
Associação
Amakura
Buala
Vozes no
Mundo – Frente pela Democracia no Brasil
INMUNE-
Instituto da Mulher Negra
CAIP-
Coletivo de Ação imigrante e Periférica
Rede
Transição Portugal
CRIA- Centro
em Rede de Insvestigação em Atropologia- FCSH-UNL
Baixe o manifesto:
Acompanhe na página da APIB os registros das manifestações no Brasil e no mundo
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