A RESISTÊNCIA INDÍGENA E O CAMPO DE DISPUTAS DESIGUAL POR DIREITOS NO BRASIL: Entrevista cedida por Weibe Tapeba (coordenador da Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Ceará-COPICE) para a fanpage da RENAP-CE*
Diz-se que o tempo tem sido de necessárias
resistências e luta por direitos. Para os Povos Indígenas, o tempo de resistir
vem desde a chegada das caravelas e já dura, pelo menos, 515 anos. Desde tempos
idos, os Povos Indígenas têm convivido com tomada de suas terras, tentativas de
desarticulação de seus modos de vida, e violências que ferem vidas, dignidade,
culturas e territórios. Hoje, a colonialidade persiste no Estado, em
articulação com corporações transnacionais e grandes empresas privadas. E isso
vem se aliando a um panorama de ameaças a direitos pelo próprio campo do
Direito (seja por edição de novas leis, interpretações judiciais ou ações
estatais que se declaram pautadas na legalidade). Por tudo isso, nunca foi tão
urgente resistir. E, mais uma vez, os descendentes dos primeiros Povos que vem
habitando a terra brasilis há gerações, dizem: "gostaríamos de afirmar a
nossa resistência até carregarem o último Índio. Não nos calaremos frente ao
cenário de violações que só tem se intensificado. Matérias que atacam os nossos
direitos continuarão a ser combatidas todos os dias, o dia todo, para que
possamos garantir o futuro das nossas gerações” (Weibe Tapeba)
Veja mais na entrevista abaixo:
Veja mais na entrevista abaixo:
1) A Mobilização
Nacional Indígena em Brasília vem acontecendo há 11 anos, sempre acompanhada de
atos indígenas em todo o país na reivindicação de seus direitos. Como vocês percebem a importância dessa mobilização para a luta indígena?
Weibe - A mobilização nacional,
que tem como maior expressão a realização do Acampamento Terra Livre, realizado
em Brasília, tem representado lugar de destaque que marca a resistência
indígena no Brasil. A mobilização, que inclusive tem sido apoiada e encampada
por diversos movimentos sociais, tem alcançado seus objetivos. A estratégia de
impeder, por exemplo, a aprovação da PEC 215 que transfere a responsabilidade
de demarcação de terras indígenas da União para o Congresso Nacional tem sido
resultado dessa mobilização
2) A Mobilização
Nacional vem contando com o apoio de outros movimentos sociais. Como vocês veem
a luta por direitos em rede, em conjunto com esses outros movimentos?
Weibe - O movimento indígena
brasileiro tem, ao longo de sua trajetória, buscado intensificar a sua atuação
e intervir efetivamente nos campos de discussão e de tomada de decisão. Nesse
contexto, a articulação dos diversos movimentos sociais tem sido uma estratégia
importante. Sobretudo na consolidação de agendas similares. Tal aspecto,
garante o fortalecimento das lutas não só do movimento indígena, como também da
luta de outros setores que tem o movimento indígena como leal parceiro. Um dos
frutos que é resultado dessa articulação em rede, é a visibilidade das agendas
que são travadas por cada movimento e partilhadas entre os movimentos. Assim, a
luta que antes era somente dos indígenas passa a ser dos sindicados, das ONG's
e de demais seguimentos populares, o que só tem contribuído com a causa que
defendemos.
3) Diversos direitos vêm
sendo ameaçados, restringidos ou abolidos nos últimos tempos. A PEC 215 vem em
conjunto com o PL 4330/2004 (conhecido como projeto de lei da terceirização),
os projetos de lei de redução da maioridade penal, o novo código de mineração,
a Lei da Biodiversidade, dentre outros. Como vocês vêem esse pacote de leis na
perspectiva da luta pelo respeito e efetivação de direitos humanos e ambientais
no Brasil?
Weibe - O movimento indígena
brasileiro tem concentrado a maior parte de suas energias monitorando a
tramitação de diversas matérias antiindigenas no Congresso Nacional, o que tem
dificultado na atuação referente ao acampamento e fiscalização das políticas
sociais voltadas as comunidades, sobretudo porque essas matérias tentam atacar
os principais direitos dos nossos povos, especialmente aqueles ligados aos
territórios indígenas. Se tiram os direitos territoriais dos nossos povos, automaticamente
nos tiram os direitos à educação, saúde e outras áreas. Assim, tem sido tarefa
constante do movimento indígena monitorar e fazer pressão em matérias que
tramitam no Congresso Nacional e no próprio poder executivo, como forma de
tentar barrar a discussão dessas matérias dando visibilidade as diversas
violações e os impactos que podem decorrer das matérias caso aprovadas.
4) O STF, em recente
decisão, anulou a demarcação e a portaria declaratório da TI Guyraroká (MS),
apoiando-se na tese do marco temporal que integra as condicionantes ligadas ao
julgamento da TI Raposa-Serra do Sol (RR). Após, apoiando-se novamente nas
mesmas condicionantes, mais especificamente na que veda a ampliação de Tis, o
STF anulou a portaria da TI Porquinhos (MA) que ampliava essa Terra Indígena.
Como o Movimento Indígena no Brasil vem avaliando essas decisões no que diz
respeito a garantia dos direitos territoriais indígena no Brasil?
Weibe - O que temos
assistido nos últimos anos no Brasil foi uma total discrepância nas decisões
judiciais nos diversos tribunais do país, inclusive nas instâncias superiors,
como tem sido o caso do STJ e STF. O que temos visto é uma total alternância de
valores e quebra de princípios, inclusive, aqueles constantes no ordenamento
jurídico brasileiro, como é o caso do descumprimento do principio da
imparcialidade, já que cada vez mais o poder judiciário tem sido tendente a
decidir em desfavor das comunidades e povos indígenas e em favor dos
fazendeiros, empresários, políticos que representa seguimentos historicamente
elitistas e influentes na política brasileira. Assim, nossas comunidades a cada
dia se obrigam a denunciar esse tipo de atuação, muitas vezes retratadas por
decisões que sequer possuem sustentação jurídica ou que claramente descumprem
leis que já garantem os direitos alcançados pelos nossos povos.
5) No contexto atual, ao
tempo em que o Direito Estatal guarda normas de proteção aos direitos
indígenas, esse mesmo Direito parece estar se desenhando cada vez mais como um
campo ameaçador à vida, à dignidade, e ao território de Povos Indígenas em todo
o país. E isso vem se fazendo sem a
participação dos Povos Indígenas. Como o Movimento Indígena tem avaliado esse
contexto?
Weibe - A Constituição Federal
de 1988 representou um divisor de águas para os direitos dos povos originários
nesse país, sobretudo o de reconhecer os direitos territoriais das comunidades
indígenas e a responsabilidade da União em garantir o acesso aos territórios
como forma de garantir o usufruto exclusivo desses territórios pelas
comunidades, bem como de garantir a reprodução física e cultural dos nossos
povos. A reboque desses direitos que pra nós são fundamentais, garantimos
importantes avanços no campo do Direito. Há um modelo de educação
escolar indígena diferenciada e há um subsistema de saúde indígena
vinculado ao Sistema Único de Saúde. Mesmo com essas conquistas, inclusive em
outros campos, cada vez mais se percebe as diversas investidas de diversos
seguimentos no Brasil que tentam reduzir ou acabar com os direitos conquistados
a duras penas, o que tem sido travado num campo de disputa desigual em que nem
sempre temos sequer a possibilidade de intervir nos processos de discussão e de
decisão.
6) Diante de tudo isso,
documentos internacionais de direitos humanos, como a Declaração da ONU sobre
os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da OIT, e instâncias
internacionais de Direitos Humanos podem ser vistas como possíveis vias de
concretização de direitos de Povos Indígenas no Brasil?
Weibe - O conjunto de normas que
regulam os direitos dos povos indígenas no Brasil pode ser considerado como um
dos mais avançados no mundo. Infelizmente, a letra da lei nem sempre tem tido a
sua efetiva eficácia. Os tratados internacionais que versam sobre os direitos
humanos dos povos indígenas têm sido importantes instrumentos de fortalecimento
dos direitos dos povos indígenas. A prática de violar os direitos previstos nas
leis criadas internamente tem sido uma tônica cada vez mais comum e que precisa
continuar sendo denunciada e repudiada. No campo dos tratados internacionais, a
denúncia apresentada as instâncias internacionais tem sido também perseguida
pelos nossos povos. Dar visibilidade internacional as diversas violações
praticadas pelo próprio Estado Barsileiro tem sido fundamental. Entendemos como
importante os dispositivos previstos na Convenção 169 da OIT e da Declaração
das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas, que são sempre
invocados pelos povos indígenas, e, sempre que preciso, as comunidades tem
levado ao conhecimento das Cortes Internacionais casos concretos de violação.
Por fim, gostaríamos de afirmar a nossa resistência até carregarem o último
Índio. Não nos calaremos frente ao cenário de violações que só tem se
intensificado. Matérias como o PL 4330 que trata da terceirização, do PL 7735
que trata da regulamentação do Patrimônio
Genético e Conhecimentos Tradicionais Associados, do PL da Biodiversidade e da
PEC 215, como outras matérias que atacam os nossos direitos, continuarão a ser
combatidos todos os dias, o dia todo, para que possamos garantir o futuro das
nossas gerações.
*Entrevista realizada por Priscylla
Joca.
Rede Nacional de
Advogadas e Advogados Populares no Ceará - RENAP-CE.
As fotos são das atividades em
Brasília, referentes ao Acampamento Terra Livre 2015, e foram cedidas por Weibe
Tapeba à fanpage da RENAP-CE.
Enviado por Priscylla Joca para O PLANETA EM MOVIMENTO