Atingidos pela usina questionam critérios para indenizações
e reassentamento e não contam com assistência do governo nas negociações com a
Norte Energia
O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) promoveu em
Altamira nessa quarta-feira, 12 de novembro, audiência pública para ouvir os
moradores da cidade que são atingidos pelo deslocamento compulsório para dar
lugar ao reservatório da usina de Belo Monte. O processo de realocação e
reassentamento na área urbana vai afetar cerca de 9 mil famílias, incluindo 600
famílias de indígenas que moram na cidade. Os critérios usados pela empresa
Norte Energia na seleção de quem vai ter direito a casas novas e sobre os
valores das indenizações são questionados por muitos.
Para o MPF/PA, a presença do estado brasileiro em Altamira
tem sido marcada pela parcialidade, com foco excessivo no cronograma e na
rapidez da obra, deixando de atuar na garantia dos direitos da população
atingida. “Essa é a primeira condicionante de Belo Monte que precisa ser
cumprida”, disse a procuradora da República Thais Santi, ao abrir a audiência
pública. Estavam presentes representantes da Secretaria-Geral da Presidência da
República, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Fundação Nacional do
Índio, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Ministério da
Pesca, prefeitura de Altamira e Defensoria Pública da União.
A ausência de mediação governamental e de assistência
jurídica (não há atualmente defensoria pública na região) no processo de
deslocamento compulsório deixa os atingidos em situação vulnerável, sem
capacidade de se defender ou argumentar diante das avaliações impostas pela
empresa Diagonal, subcontratada da Norte Energia que faz o trabalho de
negociação com os atingidos. Pelo Plano Básico Ambiental de Belo Monte, todos
os atingidos deveriam ter direito a optar entre o reassentamento – uma casa
nova fora da área a ser atingida pelo alagamento – ou a indenização - que
deveria dar acesso à moradia em situação igual ou melhor que a anterior.
São incontáveis denúncias de que isso não está sendo
cumprido e que muitos estão sendo pressionados a aceitar indenizações que
variam entre R$ 15 e R$ 50 mil, insuficientes para que novas moradias sejam
adquiridas, já que a obra de Belo Monte fez explodirem os preços de imóveis em
todas as faixas de poder aquisitivo em Altamira.
Uma moradora do bairro do Açaizal, de 80 anos, Maria dos
Santos, analfabeta, denunciou, durante a audiência, ter sido obrigada a assinar
um papel em branco e aceitar uma indenização de R$ 42 mil. Outra atingida,
Elissandra Oliveira, chegou a gravar um comercial para a Norte Energia na casa
nova que receberia no bairro Jatobá, construído para receber os impactados. O
comercial foi gravado no final de 2013 e ela disse que até agora não foi
contemplada com a casa. “Para onde vamos mandar os sem-teto que a Norte Energia
está criando aqui?”, questionou Giácomo Shaffer, presidente da Colônia de
Pescadores Z-12.
Com o fechamento do escritório da Defensoria Pública do
Estado no primeiro semestre de 2014 e com a ausência da Defensoria Pública da
União (DPU), esses e outros moradores que se sentem prejudicados começaram a
procurar o MPF/PA em grande número, o que gerou a necessidade da audiência
pública. Um primeiro resultado da audiência é que o representante da DPU,
Francisco Nóbrega, anunciou que chegarão defensores em Altamira ainda esse ano,
em caráter emergencial, para garantir a assistência jurídica dos atingidos.
“Não é possível que uma pessoa seja retirada de casa sem ter
outra casa e sem receber a indenização prévia. É preciso que isso conste nos
critérios aplicados a todos os casos de deslocamento para Belo Monte”, lembrou
Nóbrega. Outro resultado anunciado imediatamente na audiência foi a criação de
uma espécie de câmara de conciliação interinstitucional, que funcione como uma
instância superior para os casos em que a empresa não chega a acordo com os
moradores. Até agora, a última palavra sobre todos os casos era da Norte
Energia S.A. O representante da Casa Civil, Johanness Eck e a empresa
concessionária concordaram com a câmara. Os movimentos sociais devem apresentar
uma lista de casos de conflitos entre moradores e a empresa para que a revisão
comece imediatamente.
O MPF/PA apontou ao Ibama e ao governo a necessidade de
flexibilização das regras aplicadas nas negociações, que geram questionamentos
legítimos: por exemplo, são negadas moradias aos moradores de reservas
extrativistas e até terras indígenas que mantém casas de apoio na periferia de
Altamira para quando necessitam de acesso a serviços públicos básicos – porque
educação e saúde são muito precárias nas áreas rurais.
“Esse morador que mantém uma casa em Altamira mas não ocupa
a casa o ano inteiro é uma realidade da região, ele não pode ser tratado, como
está sendo, da mesma forma que um especulador. É necessário revisar e
contextualizar as regras aplicadas pelo empreendedor para a realidade da
região”, disse a procuradora Thais Santi. Os critérios também causam problemas
nas dezenas de casos em que várias famílias ocupam o mesmo imóvel e apenas um
dos moradores é contemplado com a nova casa.
A representante do Ibama, Regina Coeli, confirmou que o PBA
prevê que todas as pessoas afetadas pelo empreendimento devem ser compensadas
de maneira a ter moradia igual ou melhor ao que tinham antes da usina. Todos os
compromissos assumidos pelas autoridades presentes foram registrados em ata,
assinada ao final da audiência pública.
Veja a íntegra dos compromissos assumidos.
Fonte: Ministério Público Federal no Pará