por Alceu Castilho
Vejamos, na íntegra, a nota da Polícia Federal sobre a
prisão de cinco Tenharim, no sul do Amazonas. E depois, embaixo, tentemos ver o
que está em suas entrelinhas. Vale observar que essa nota é o que temos para analisar
– pois a PF informa que não dará entrevista coletiva.
Primeiro, a nota completa:
“A Polícia Federal em Rondônia, juntamente com a Força
Nacional de Segurança Pública, Polícia Rodoviária Federal e o Exército
Brasileiro, deflagraram a Operação Humaitá na data de 30/01, com o objetivo dar
cumprimento a 5 mandados de prisão temporária de indígenas da etnia Tenharim,
que habitam território localizado entre os quilômetros 100 e 150 da BR- 230.
As prisões foram expedidas pela Justiça Federal do Estado do
Amazonas em razão de possível envolvimento dos índios na morte de três pessoas
que desapareceram ao atravessarem uma das aldeias localizadas na rodovia
Transamazônica.
O crime teve grande repercussão nacional e internacional no
final do dezembro de 2013 e provocou manifestações da comunidade não-indígena
contra os silvícolas, culminando com a destruição de carros e instalações da
FUNAI em Humaitá/AM.
A Polícia Federal instaurou inquéritos policiais para apurar
o desaparecimento e destruição do patrimônio público (FUNAI).
As conclusões da investigação apontam para a ocorrência de
homicídio praticado pelos presos dentro de uma das aldeias e posterior
ocultação dos cadáveres. Os corpos ainda não foram localizados.
Durante os trabalhos da Força Tarefa foram percorridos
aproximadamente 270 hectares, delimitados pela investigação, e encontrados, no
interior da terra indígena, peças do veículo ocupado pelos desaparecidos.
Na investigação, foram ouvidas diversas testemunhas, entre
indígenas e não-indígenas, realizada perícia técnica nas peças encontradas,
além da utilização de cães farejadores para localização de cadáveres e
equipamentos modernos de rastreamento de peças metálicas escondidas.
Os trabalhos de polícia judiciária prosseguem até a apresentação
do relatório final do inquérito policial”.
Agora, a nota comentada:
A Polícia Federal em Rondônia, juntamente com a Força
Nacional de Segurança Pública, Polícia Rodoviária Federal e o Exército
Brasileiro, deflagraram a Operação Humaitá na data de 30/01, com o objetivo dar
cumprimento a 5 mandados de prisão temporária de indígenas da etnia Tenharim,
que habitam território localizado entre os quilômetros 100 e 150 da BR- 230.
Primeiro, nota-se que a Operação Humaitá foi realizada em
Manicoré. E que se trata de uma prisão temporária. E não preventiva. Se é
temporária, costuma ser decretada por cinco dias, prorrogáveis por mais cinco.
Se o crime investigado for hediondo (como tráfico, tortura e terrorismo), o
prazo será de 30 dias, prorrogáveis, em caso de extrema e comprovada
necessidade.
As prisões foram expedidas pela Justiça Federal do Estado do
Amazonas em razão de possível envolvimento dos índios na morte de três pessoas
que desapareceram ao atravessarem uma das aldeias localizadas na rodovia
Transamazônica.
Ou seja, os Tenharim estão sendo acusados de crime hediondo a
partir do possível envolvimento na “morte” de três pessoas. Mas elas não
desapareceram ao atravessarem uma das aldeias. Elas desapareceram entre Humaitá
(km 0) e o km 180. A maior parte desse trajeto não fica em Terra Indígena. No
km 150 sai uma estrada conhecida pela periculosidade, a Rodovia do Estanho. Por
que a investigação voltou-se apenas contra os Tenharim? Teremos a prisão
temporária de não-índios?
O crime teve grande repercussão nacional e internacional no
final do dezembro de 2013 e provocou manifestações da comunidade não-indígena
contra os silvícolas, culminando com a destruição de carros e instalações da
FUNAI em Humaitá/AM.
Silvícolas? Silvícolas, Polícia Federal? E mais: não foram
apenas destruídos carros e instalações da Funai. Foram destruídos carros,
motos, barcos e instalações da Funai, da Sesai (da Funasa, portanto), postos de
pedágio e casas na Terra Indígena, na Transamazônica, em Humaitá e Manicoré.
Dezenas de crimes, portanto. Alguns desses crimes foram fotografados e
televisionados. O que, isto sim, motivou a tal repercussão internacional.
A Polícia Federal instaurou inquéritos policiais para apurar
o desaparecimento e destruição do patrimônio público (FUNAI).
A Polícia Federal vai prender os não-índios (inclusive
comerciantes e fazendeiros) que teriam incitado a população de Humaitá, Apuí e
Manicoré a queimar bens públicos e indígenas? Vai prender aqueles que ameaçam
os Tenharim de morte caso eles pisem em uma das cidades? Informação: os
Tenharim dão nome e sobrenome para várias dessas pessoas. Eu mesmo entrevistei
pessoas que pregaram a discriminação. Repito: só indígenas serão presos?
As conclusões da investigação apontam para a ocorrência de
homicídio praticado pelos presos dentro de uma das aldeias e posterior
ocultação dos cadáveres. Os corpos ainda não foram localizados.
Se as conclusões são tão fortes assim, poderia ter sido
decretada a prisão preventiva, não? Ah: mas essa só com provas materiais.
Ocorre que o delegado narrou detalhes sobre um assassinato com degola, segundo
o Portal Terra. Com um relato muito parecido com os boatos que tomaram a
cidade, na virada do ano. Um assunto para advogados criminalistas – mas desde
que a Polícia Federal informe melhor (quem sabe numa entrevista coletiva) sobre
os indícios. Eles não são apenas testemunhais? Cadê os cadáveres?
Durante os trabalhos da Força Tarefa foram percorridos
aproximadamente 270 hectares, delimitados pela investigação, e encontrados, no
interior da terra indígena, peças do veículo ocupado pelos desaparecidos.
Se percorreu 270 hectares, não procurou os cadáveres fora da
TI Indígena. Por quê? Mas sejamos justos: a PF informa, ao menos, entre tantas
deduções, que se trata do carro dos desaparecidos. Vale observar que ele foi
encontrado no fim da TI Tenharim – no fim da TI Tenharim, quase na Rodovia do
Estanho. A PF garante que ele tenha sido colocado lá pelos próprios Tenharim?
Na investigação, foram ouvidas diversas testemunhas, entre
indígenas e não-indígenas, realizada perícia técnica nas peças encontradas,
além da utilização de cães farejadores para localização de cadáveres e
equipamentos modernos de rastreamento de peças metálicas escondidas.
Esses cães farejadores só começaram a trabalhar no dia 2 de
janeiro. Mais de 15 dias após o desaparecimento. Eu estava em uma das casas dos
parentes quando foram buscar as roupas dos desaparecidos. Por que tanta demora?
E, de novo: os cães trabalharam também em terras que não fossem indígenas? O
objetivo é encontrar os corpos ou não? Por último, e não menos importante: onde
está o Ministério Público?
Os trabalhos de polícia judiciária prosseguem até a
apresentação do relatório final do inquérito policial.
A sociedade brasileira espera, mesmo, que os trabalhos
prossigam. Não somente aqueles relativos aos três desaparecidos, mas a todos os
crimes cometidos na região. Contra indígenas e não-indígenas. Sem que o
conjunto desses trabalhos ajude a criminalizar um povo específico - em nome do
suposto crime cometido por alguns de seus membros. Que tudo o que aconteceu em
Humaitá e região - tudo - seja esclarecido. E não apenas aquilo que tenha
conveniência midiática.
Publicação original: BLOG OUTRO BRASIL
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