Ouça aqui: Discurso emocionante de uma liderança Guarani Ñandeva de YvyKatu. Imperdível. Vale cada minuto.
Na presença da Comissão Nacional da Verdade, do Ministério
Público Federal e diversas organizações de direitos humanos -e às portas de uma
possível reintegração de posse, uma jovem liderança Guarani Ñandeva da terra
indígena Yvy Katu, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai -, faz um
dos discursos sobre defesa do território mais contundentes e emocionantes já
ouvidos.
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Leia mais sobre Yvy Katu:
A Polícia Federal tentou realizar a reintegração de posse da
fazenda Chaparral, na Terra Indígena Yvy Katu, em Japorã (MS), nesta
quarta-feira, 6. A informação é do Conselho Aty Guasu, que está no local
acompanhando o caso. Segundo os conselheiros, o delegado Alcídio de Souza
Araújo - responsável pela operação que terminou com a morte de Oziel Terena, diversos
feridos e a apreensão de equipamentos de indígenas e jornalistas - foi ao
local, desacompanhado do Oficial de Justiça, pressionar os indígenas para que
saíssem da área. Depois, conforme lideranças, ameaçou despejo com apoio da
Força Nacional.
Ainda, organizações de direitos humanos encaminharam nesta
quarta ofício à Superintendência da PF no estado e ao Ministério Público
Federal (MPF) exigindo que sejam convocadas as entidades e comissões de
direitos humanos para acompanhar a ordem judicial, que pode ser cumprida a
qualquer momento. Notificada, a Fundação Nacional do Índio (Funai) também
entrará com recurso para tentar derrubar a liminar de despejo.
"Quem veio aqui foi aquele delegado [Alcídio], que a
gente conhece", relata um conselheiro do Aty Guasu, a grande assembleia
Guarani e Kaiowá do estado. Além da reintegração que terminou na morte do
Oziel, Alcídio já realizou o despejo da comunidade Guarani Kaiowá de Laranjeira
Ñanderu, no município de Rio Brilhante.
"Ele [o delegado] foi duro, truculento. Disse que ia
responsabilizar as lideranças, quem estava na frente. Mas a comunidade também
foi forte com ele", conta. "Ele disse que a decisão é emergencial,
que é uma decisão da Justiça, que tem que cumprir. Nós respondemos que a
Justiça também decidiu que essa nossa terra é indígena, dez anos atrás, mas
nunca ninguém executou nada", conta.
Outro conselheiro explica que os indígenas então propuseram
ao delegado que voltasse com o Oficial de Justiça na sexta-feira, às duas da
tarde. "A gente pediu os dois dias, mas ele disse que não, falou: 'bom, aí
já é descumprimento de ordem, então Deus abençoe vocês. Vou avisar o juiz, e
ele vai ver o que faz a partir de agora', mas nós colocamos essa data".
"Ele disse também que se for preciso ele vai acionar a
Força Nacional para cumprir a ordem, e disse que responsabilizaria as
lideranças por qualquer coisa que acontecesse. Nós dissemos que todo mundo é
responsável, que Guarani se organiza assim e a Constituição garante. Se for
prender, tem que prender todos nós".
Tensão
Segundo relatos colhidos pelo Conselho do Aty Guasu, o clima
é bastante tenso na região. O acampamento tem sofrido sucessivos ataques, aos
quais os indígenas estão respondendo com trancamentos de estradas vicinais e
mais barracos espalhados pela área ocupada.
Na segunda-feira, agentes da Polícia Civil e Federal, em
conjunto da Funai, estiveram no
acampamento, realizando revistas com a justificativa de que estavam a procura
de armas de fogo que supostamente estariam em posse dos indígenas. Os indígenas
ficaram indignados: "por que os policiais vem revistar nós indígenas, que
não temos nada, mas não revistam do outro lado da cerca, onde eles sabem que
tem armas, que são as armas que eles usam pra atacar a gente e matar?"
Na segunda, 5, um grupo armado cercou e atacou a comunidade.
Na fuga, um dos pistoleiros deixou uma motocicleta para trás, que foi
confiscada pelos indígenas e entregue à Polícia Federal.
Os indígenas que estão acampados em uma parte da terra
demarcada garantem que não sairão, mesmo com a ordem de reintegração. "Nós
vamos permanecer. Nós vamos receber o oficial na sexta, mas pra avisar que não
vamos sair. Já esperamos mais de 10 anos, estamos esperando todo esse tempo a
decisão da Justiça", afirma uma Ñandeva acampada na fazenda.
Direitos Humanos
Diversas organizações de direitos humanos - entre elas, a
Comissão Permanente de Assuntos Indígenas (Copai) e a de Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados do Brasil do Mato Grosso do Sul (OAB-MS), o Conselho
Indigenista Missionário e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) - protocolaram
hoje um ofício à Superintendência da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, com
cópia para o MPF, exigindo que as
entidades sejam convocadas para acompanhar a reintegração.
A exigência vem no sentido de evitar abusos e ilegalidades,
como os que levaram à morte de Oziel, e
se baseia nos critérios estipulados pelo "Manual de Diretrizes Nacionais
para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse
Coletiva", elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2008.
As entidades também destacam que o manual aponta que as
operações deverão ser documentadas por filmagens, que deve ser permitido pela
polícia a qualquer uma das entidades presentes ao ato. Na reintegração da Terra
Indígena Buriti, além do assassinato de Oziel e quando muitas pessoas ficaram
feridas, diversos equipamentos de indígenas e jornalistas foram apreendidos
pela Polícia Federal.