domingo, 4 de agosto de 2013

O #OCUPEOCOCÓ, O DIREITO DE RESISTÊNCIA E A LEGALIDADE DA “VIOLAÇÃO POLÍTICA"

por João Alfredo Telles Melo*


Nenhum ordenamento jurídico pode falar em nome do povo”.

Um dos livros mais instigantes que li nestes dias foi  “A Esquerda que não teme dizer seu nome”, de Vladimir Safatle, pelo que provoca – a partir do título – de pensamento e reflexão para os dias de hoje, numa visão extramente crítica à assimilação, pela esquerda oficial, da ideologia liberal burguesa.

No capítulo “Soberania popular ou a democracia para além do Estado de Direito”, Safatle recupera o “esquecido” “Direito de Resistência”, previsto nas primeiras declarações de direitos humanos da revolução burguesa, quando essa se batia contra o estado feudal.

Ali, quando ele trata da “sociedade que tem medo da política”, parece falar, dentre outras lutas, do belo exemplo de resistência que é o acampamento dos jovens em defesa do Parque do Cocó, a partir do entendimento – que subscrevo – de que o ordenamento jurídico de uma sociedade democrática deve reconhecer “sua incapacidade de ser a exposição plena e permanente da soberania popular”.

Ouçamos Safatle:
“A democracia admite, por essas razões, o caráter 'desconstrutível' do Direito, e ela o admite pelo reconhecimento daquilo que poderíamos chamar de legalidade da 'violação política'. Pacifistas que sentam na frente de bases militares a fim de impedir que armamentos sejam deslocados (afrontando assim a liberdade de circulação), ecologistas que seguem navios cheios de lixo radioativo a fim de impedir que ele seja despejado no mar, trabalhadores que fazem piquete em frente a fábricas para criar situações que lhes permitam negociar com mais força exigências de melhoria de condições de trabalho, cidadãos que protegem imigrantes sem-papéis, ocupações de prédios públicos feitas em nome de novas formas de atuação estatal, trabalhadores sem-terra que invadem fazendas improdutivas, Antígona que enterra seu irmão: em todos esses casos, O ESTADO DE DIREITO É QUEBRADO EM NOME DE UM EMBATE EM TORNO DA JUSTIÇA” (esse e outros destaques são meus).

Atual! Atualíssimo!
Poderíamos acrescentar, tranquilamente, como um desses casos: “jovens que acampam no Parque do Cocó para impedir sua devastação por obras de viadutos e reivindicam uma mobilidade urbana que sejam humana e sustentável”.

Vejam onde se encontra a legitimidade (a Justiça acima do direito, aqui visto como “ordenamento jurídico”, ou conjunto de leis):
“No entanto, é graças a ações como essas que DIREITOS SÃO AMPLIADOS, QUE A NOÇÃO DE JUSTIÇA GANHA NOVOS MATIZES. Sem elas, com certeza nossa situação de exclusão social seria significativamente pior. Nesses momentos, encontramos o ponto de excesso da democracia em relação ao Direito”.

Ao se referir à visão conservadora e reacionária que procura criminalizar tais movimentos, diz Safatle:
“Uma sociedade que tem medo de tais momentos, que não é mais capaz de compreendê-los, é uma SOCIEDADE QUE PROCURA REDUZIR A POLÍTICA A UM MERO ACORDO REFERENTE ÀS LEIS QUE TEMOS e aos meios que dispomos para mudá-las (como se a forma atual da estrutura política fosse a melhor possível – se se leva em conta o que é o sistema político brasileiro, pode-se claramente compreender o caráter absurdo da colocação)”.

Ao falar da agenda da “esquerda que não tem medo de dizer seu nome, Safatle diz que esta – a agenda – consiste em “superar a democracia parlamentar pela pulverização de mecanismos de poder de participação popular direta”.

É isso que está em jogo na luta em defesa do Cocó: o protagonismo do povo, que se utilizando da ação direta, coloca em xeque os limites dessa ordem jurídica, dessa “democracia” do grande capital que desconhece o valor da natureza, daquilo que é bem comum e restringe o direito à cidade a uma visão tecnocrática e autoritária.

O Ocupe o Cocó rompe com esses limites.



*João Alfredo Telles Melo é Vereador de Fortaleza (PSOL), Ecossocialista, Advogado e Professor de Direito Ambiental.

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