Nas últimas três décadas ocorreram no Brasil processos econômicos e políticos que proporcionaram o surgimento de mega-projetos nos mais diversos setores do país. Entre esses grandes empreendimentos destacam-se o setor de desenvolvimento energético, sobretudo com a construção de usinas hidrelétricas.
O Tiranossauro foi um dos maiores predadores e o mais aterrorizador dinossauro que existiu no planeta. O nome vem do grego tyrannos (tirano) e sauros (lagarto). De porte gigantesco e muito cruel me veio à lembrança de compará-lo a esta obra megalomaníaca do governo, pelo tamanho do empreendimento e o terror que leva aos povos do Xingu.
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é um dos mais polêmicos projetos da história do País. Considerada também como um dos mais importantes do Governo Dilma e seu Programa de Aceleração do Crescimento – PAC – já levou o Brasil a ser repreendido por organismos internacionais, como a OEA. Mas quais os motivos para tantos entraves? Porque a obra considerada pelo Governo como “fundamental” para solucionar o gargalho energético brasileiro está na mira de diversas organizações nacionais, internacionais e da Justiça?
Para o procurador Felício Pontes Júnior, do Ministério Público do Pará, a licença prévia concedida pelo IBAMA para o mega-empreendimento foi uma “invenção”, tendo sido motivo de duas ações do MPF-PA contra a obra. Segundo Pontes, a licença parcial concedida para os canteiros de obras não está prevista na legislação brasileira. A implantação do projeto tem sido alvo de críticas, já que o governo federal ignora de forma recorrente todas as pesquisas de viabilidade econômica, os impactos ambientais e sociais, bem como as inúmeras alternativas de que dispõe o país para a geração de energia limpa.
Em 1975 se amplia o aproveitamento hidrelétrico da Amazônia, cujo potencial representando 60% do total do país, figurava entre as prioridades do projeto desenvolvimentista da industrialização brasileira. Nesse contexto entra o papel da Eletronorte, recém-criada, sendo uma subsidiária da Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras, que iniciou os Estudos do Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu.
O EIA/RIMA de Belo Monte foi elaborado pela Leme Engenharia, afiliada ao Grupo Tractebel Engineering, vinculado ao grupo GDF Suez, um dos possíveis participantes do leilão para construção da UHE Belo Monte. Cinco meses após a versão final de o documento ter sido entregue ao Ibama, em 2009, chegou ao mesmo órgão, e ao Ministério Público Federal (MPF), um relatório alternativo, contendo 230 páginas, intitulado “Analise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”.
Este novo estudo foi elaborado por mais de quarenta pesquisadores. Antropólogos, historiadores, cientistas políticos, economistas, engenheiros, hidrólogos, ictiólogos, sociólogos, zoólogos, biólogos, etimólogos, doutores em energia e planejamento de sistemas energéticos, entre outros, compondo um grupo denominado Painel de Especialistas, ligados a universidades e centros de pesquisas nacionais e internacionais. Estes pesquisadores fizeram uma análise detalhada dos estudos de Belo Monte apresentados pelo Governo e o consórcio construtor da UHE, mas apesar dos estudos, em 2010 a licença foi concedida.
Também no ano de 2010 o MPF entra com nova ação judicial contra o governo com base em sete irregularidades. Entre elas a quantidade de água que seria liberada no trecho que compreende a Volta Grande do Xingu, em torno de 100 quilômetros, por onde o rio deveria ser desviado do seu curso natural. Nesta região já foram catalogadas 372 espécies de peixes e onde habitam 12 mil famílias.
A proposta da Eletrobrás é que a Volta Grande seja irrigada com apenas 4.000 m³/s de água. As recomendações do IBAMA é que sejam o dobro, alertando que mesmo assim ainda haverá o desaparecimento de várias espécies de peixes. Os peritos do MPF mostraram que pelo volume de água do Xingu, na série histórica de 1971 a 2006, as turbinas só geram energia se passarem por elas 14 mil m3/s de água. Somaram esse volume aos 8 mil m3/s propostos pelo IBAMA que chegou a 22 mil m3/s. A conclusão é terrível. Nos 35 anos observados, em 70% do tempo o Xingu não foi capaz de atingir esse volume, nem nas épocas de maior cheia.
O município de Altamira foi campeão de desmatamento em 2011 na Amazônia. Dezenas de ribeirinhos e agricultores foram sendo desapropriados sem indenizações justas. 400 moradores ficaram desalojados como o primeiro barramento do rio em fevereiro de 2011. Os índices de violência mostraram um acréscimo de 30% nos números de assassinatos. Dezenas de crianças perderam o acesso à escola.
As famílias que ainda resistem e permanecem em suas terras são obrigadas a suportar muita poluição sonora e doenças até então desconhecidas para eles, como: hipertensão e depressão. O barulho de máquinas que operam diuturnamente é ensurdecedor, elas abrem crateras e explodem dinamites de modo ininterrupto, pior ainda é a tristeza pela derrubada das florestas, para cada árvore que tomba o barulho lembra um lamento de dor.
Recentemente em parecer concedido ao Ministério Público, Leonardo Sakamoto, que participou de uma missão especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), aponta uma série de recomendações ao governo federal. Entre elas uma nota técnica emitida pela Comissão de Especialistas em Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT, que aponta que o governo brasileiro deveria ter realizado as oitivas indígenas nas aldeias impactadas por Belo Monte antes de qualquer intervenção que pudesse afetar seus bens e seus direitos.
Além da OIT e da CIDH, o Ministério Público Federal (MPF) também tem o mesmo entendimento sobre o direito dos povos indígenas de serem consultados pelo Congresso Nacional ANTES do início das obras, conforme previsto no Art. 231 da Constituição Federal. O relatório ainda apontou “formato e quantidade inadequada de audiências públicas” durante o processo de licenciamento.
Belo Monte é o retrato de um país onde seus governantes não zelam pelo nosso patrimônio cultural, ambiental e social. A política desenvolvimentista do governo federal tem sido responsável por grandes retrocessos na agenda socioambiental brasileira como nunca visto na história deste vasto país-continente, desde o fim da ditadura militar. Mais do que simplesmente omitir-se diante dos fortes ataques ruralistas à floresta, o governo vem continuamente atropelando as regras de licenciamento ambiental.
No último dia 14 de agosto, os desembargadores do TRF-1 decidiram, de forma colegiada e por unanimidade, que a obra não atende a determinação da consulta prévia e informada às comunidades impactadas direta ou indiretamente – conforme manda a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso, o governo federal pretende mais uma vez adotar medidas autoritárias para seguir adiante com a obra. Juridicamente, a AGU ajuizou a chamada Reclamação, que agora está nas mãos do ministro Ayres Britto e a ele cabe impedir que tal ditadura se instale de vez no Brasil.
O que as comunidades tradicionais do Xingu pedem, bem como o conjunto da sociedade brasileira, é que o ministro ouça o Ministério Público Federal (MPF) e que Belo Monte só saia caso os afetados sejam ouvidos se querem ou não seus territórios físicos e simbólicos afetados pela ação devastadora do empreendimento (Movimento Xingu Vivo).
Referências:
Análise dos Relatórios de Impactos Ambientais de Grandes Hidrelétricas no Brasil – TEIXEIRA, Maria Gracinda; SOUZA, Rita Cerqueira; MAGRINI, Alessandra; ROSA, Luiz Pinguelli.
http://www.pgr.mpf.gov.br/
http://www.xinguvivo.org.br/
http://belomontedeviolencias.blogspot.com.br/
http:www.exame.abril.com.br